quarta-feira

Capítulo IX

"É Preciso Ver os Anjos"


Faltavam duas semanas para o Natal, o segundo desde que Sara viera a trabalhar na mansão. Dr. Rômulo e a família viajavam nessa época do ano; Sheila e outra contratada qualquer, revezavam nas folgas a cada ano para ficar com D. Emília. Sara sentia um profundo pesar ao imaginá-la sozinha na noite de Natal.

-  Por que não comemoram o Natal na mansão? – perguntou-lhe Sara certa manhã enquanto tomavam sol na piscina.
-  Há anos não se comemora mais nada nessa casa. Nem Natal, nem aniversários... Exceto pelas festas esnobes e sem nenhum espírito de Marilin, essa casa nunca mais foi alegre.
-  No ano passado, eu liguei para cá e Sheila me disse que a senhora estava dormindo.
-  E o que esperava que eu estivesse fazendo, dançando um tango? – respondeu D. Emília simulando com os braços uma dança.
-  Um sapateado seria mais apropriado.
“Risos”

-  Houve um Natal que eu subornei Sheila – confessou D. Emília – Permiti que  recebesse um grupo de amigos aqui na piscina, e em troca, teria de deixa a cadeira a noite toda no quarto. Passei a noite na janela vendo-os se divertirem aqui embaixo. Depois, cochilei na cadeira e quando acordei o dia estava amanhecendo... Foi o primeiro nascer do sol que eu vi depois de anos.
-  Dr. Rômulo nunca descobriu?
-  Um vigia que andava por aí com uns cães contou a ele.
-  E o que aconteceu?
-  Ele quis despedir Sheila e eu ameacei vender meus 75% das ações das empresas por uma bagatela. Então, ele desistiu.
-  E o vigia?
-  Dias depois, os cães encontraram os portões abertos e fugiram atrás de uma cadela no cio. Rômulo o despediu imediatamente.

Sara lançou um olhar enviesado a ela:

-  Não foi idéia sua deixar os portões abertos, foi?
-  Oh, não!... Sheila foi quem teve essa idéia. Eu apenas sugeri a cadela no cio.

Sara levou as duas mãos à cabeça:

-  Eu não acredito que teve a coragem de tramar a dispensa de um empregado que apenas cumpria ordens!
-  Não faça drama, Sara!.... Eu pedi ao Salgado que localizasse o rapaz e arrumasse a ele uma colocação melhor ainda do que  tinha aqui.
-  Ainda bem! – frisou Sara – Ainda bem que se arrependeu a tempo e corrigiu o erro...
-  Oh, não, eu só fiz isso recentemente – esclareceu ela – ...Bem, mas o que importa, é que fiz – acrescentou.
-  Começo a achar que ser sua amiga é uma medida de sobrevivência.
-  Não seja exagerada, eu não sou completamente má.
-  Às vezes tenho dúvidas a respeito disso – disse Sara em tom de brincadeira – Mas mesmo assim, vou levá-la comigo esse ano para passar o Natal na casa de minha amiga Claudine. Vou pedir permissão ao Dr. Rômulo...
-  Não precisa pedir permissão a ele. Eu iria, se achasse uma boa idéia, mas não é o caso.
-  Pense bem – insistiu Sara – Pode ser divertido, e além do mais, é uma boa oportunidade para conhecer minha família.
-  Não sei... Não saberia nem mesmo como me vestir, já faz tanto tempo...
-  Isso não será problema. Nós iremos às compras.                   
                   
                   
Feliciano guiava o carro, enquanto as duas tagarelavam no banco traseiro:

-  Aonde vamos? – perguntou D. Emília.
-  A uma dessas lojas de departamentos – respondeu Sara – Assim, podemos comprar tudo num num mesmo lugar.
-  Vai ter que me ajudar com os presente, não conheço nenhuma das pessoas que irão para ceia.
-  Farei isso.

No rádio do carro Caetano Veloso cantava:

“Alguma coisa acontece
no meu coração
Que só quando cruzo a Ipiranga
com a avenida São João...”

-  Essa música... Lembra-me tanto o dia em que cheguei a São Paulo – disse Sara – Sabe que encontrei um homem que me disse que se continuasse a chegar gente na cidade, ela poderia explodir?
-  Que idéia!... Porque decidiu vir para São Paulo?
-  Depois que minha mãe morreu, não havia mais nada que pudesse me deter em Redentor das Pedras.

Feliciano deu uma freada brusca.

-  Feliciano! – repreendeu D. Emília – O que pensa que está fazendo!
-  Desculpe-me Madame... Um outro carro atravessou na minha frente – justificou-se.
-  Controle-se e dirija com cuidado! – ordenou ela.
-  Pois não Madame.

                   
A loja estava apinhada de pessoas carregando suas compras, e as canções natalinas ecoavam pela atmosfera. Um Papai-Noel atraia a atenção das crianças com badaladas de um sino dourado e presenteava-as com balas e doces. Era simplesmente impossível não deixar-se contagiar pelo espírito festivo do Natal. Sara empurrava a cadeira de D. Emília por todas as lojas, parava em todas as vitrines. Feliciano vinha logo atrás carregando os pacotes. Elas compraram tudo que planejaram e muito mais.
                   
Dirigiam-se para a saída quando passaram por uma joalheira. D. Emília disse à Sara que queria entrar na loja e pediu ao Feliciano que levasse os pacotes para o carro:

-  Eu quero comprar uma jóia – disse ela ao vendedor – Pode me mostrar alguns brincos?

O vendedor indicou um balcão e apanhou uma cadeira para Sara. Depois deu a volta para dentro do balcão, abaixou-se e apanhou uma bandeja com vários pequenos brincos de pérolas e outras pedras semipreciosas.

-  Não era bem nisso que eu estava pensando – disse D. Emília ao vendedor – Procuro por algo mais... Mais elegante e sofisticado.
-  Acho que sei o que quer – respondeu o vendedor armando um sorriso – Chegou uma coleção nova essa semana, eu vou apanhá-la no cofre... Tem preferência por alguma pedra em especial?
-  O que acha, Sara?
-  Bem, as esmeraldas são as minhas prediletas mas...
-  Traga-me as esmeraldas – pediu D. Emília.
-  Perfeitamente. 

Ele entrou por uma porta e voltou minutos depois com outra bandeja. Exibiu-a com talento.
Os olhos de Sara faiscaram diante da exuberância daquelas pedras de vários formatos, combinadas com pequenos diamantes engastados em platina.

-  Gosta de algum? – perguntou D. Emília.
-  São todos maravilhosos, mas não acha que água-marinha combinaria melhor com o vestido que comprou para a ceia?
-  Não são para mim. Eu já possuo jóias demais, são para você.
-  Para mim?? – Sara olhou-a aturdida – Não permitirei que cometa essa extravagancia!!
-  Um presente de uma mãe amorosa para uma filha, nunca é uma extravagância – interferiu o vendedor com um sorriso ensaiado.

D. Emília lançou um sorrisinho cínico a Sara:

-  Ouviu o que ele disse?... Não pode recusar o presente de Natal de sua mãe.
-  A senhora já comprou meu presente de Natal – rebateu Sara – Ou pensa que eu não sei que aquela echarpe lindíssima de pura seda é para mim?
-  Aquilo é só um mimo, não é um presente de verdade.
-  E o que chama de um presente de verdade? Uma jóia cara que nem mesmo terei onde usá-la?
-  Eu é que sou velha e você é quem está ficando rabugenta!
-  Rabugenta, eu? Olha só quem está falando!...

O pobre do vendedor presenciava a discussão com uma expressão desamparada. Não sabia se aquelas duas malucas queriam realmente comprar alguma coisa, ou eram duas desocupadas tomando o seu tempo. Logo hoje que é o meu último dia do ano e ainda não faturei nada!
                   
Sara se deu conta de repente da presença do rapaz e percebeu que ele estava aflito:

-  Oh, por favor, desculpe-nos – disse ela cordialmente – Minha mãe é uma gastadeira. Devo ter o bom senso de controlar seus impulsos.
-  Não deve dar ouvidos a ela – retrucou D. Emília – Minha filha tem medo que acabemos na miséria. O que eu ainda não contei a ela, é que temos mais dinheiro do que seremos capazes de gastar – e depois olhou para Sara com ar vitorioso – Vai escolher seu presente agora, ou quer que eu mesma faça?

Sara franziu os olhos fuzilantes e disse entre dentes:

-  Esta bem...mamãe!

Ela ficou dividida entre dois modelos. Demorou um pouco para se decidir, mas acabou optando pelo mais simples mas nem por isso, mais barato. Pensou que aquele par de brincos faria uma combinação perfeita com o anel que pertencia a sua mãe, mas que ela recusou como herança.

-  Eu acho que esses são perfeitos para mim – disse ela
-  Então ficaremos com esses – disse D. Emília.

O rapaz calculou mentalmente sua comissão.

-  Vai usar nosso crediário? – perguntou ele afavelmente.
-  Vou pagá-lo à vista – informou D. Emília.

O vendedor quase soltou um gemido de prazer, pois isso significava que também receberia à vista a sua comissão, mas se manteve impecável:

-  Isto será muito fácil, pois aceitamos todos os cartões de crédito...
-  Vou pagar em cheque – anunciou ela.
Essa não!

Todas as compras com cheques tinham que serem levadas ao conhecimento do gerente, pois dependiam de consultas para serem concretizadas, e não raro, acabavam sendo recusadas, ou então, os clientes se aborreciam com a demora e deixavam a loja sem ao menos um agradecimento.
                   
Dessa vez ia tentar uma manobra esperta. Ele pediu a elas que aguardassem por um momento e dirigiu-se à mesa do gerente. Cochichou alguma coisa em seu ouvido; o gerente espichou o pescoço para poder vê-las melhor, depois demonstrando certa impaciência, levantou-se e foi até elas:

-  Boa Tarde. Eu sou o gerente aqui da loja. Fico satisfeito em saber que fizeram uma excelente aquisição... Essa peça é realmente uma beleza!... – continuava ele num ritmo decorado.
-  Se não se importa, gostaríamos de concluir logo a compra – disse D. Emília num tom frio. Ela já havia percebido o que se passava. – Sara, quer, por favor preencher o cheque para eu assinar?

Voltando ao gerente, ela disse:

-  Coloque a jóia numa caixinha de veludo, não precisa embrulhar.

O gerente começou a suar. Essa pressa toda... Isso estava lhe cheirando um golpe. Uma bela mulher com uma velha numa cadeira de rodas, não podia ser outra coisa. Mas ele era mais esperto do que as duas juntas. Não era à toa que em dez anos que trabalhava ali, nunca, nenhum espertinho lhe havia passado a perna, e se orgulhava disso.
                   
Ele pigarreou:

-  Vou mandar polir a peça e depois mandarei gentilmente entregar no endereço desejado...
-  A peça não precisa de polimento, está impecável – rebateu prontamente D. Emília.

Depois, fez uma anotação atrás do cheque e estendeu ao gerente:

-  Atrás está o número do banco e o nome do meu gerente, pode telefonar, eu espero.

Ele se retirou aliviado. Momentos depois, ele estava de volta com um sorriso genuíno nos lábios:

-  Tudo certo. Espero que tenham gostado do nosso atendimento. Quero atendê-las pessoalmente da próxima vez. Leve meu cartão e...

Mas elas já se encontravam a caminho da saída, deixaram-no ainda falando, em pé com o braço estendido segurando o cartão de visitas.

          
No estacionamento, D. Emília pediu a Sara que parasse com a cadeira. Ela meteu a mão por baixo de seu traseiro e tirou algo. Estendeu a mão fechada para Sara e foi abrindo-a lentamente com um sorriso vitorioso nos lábios. O outro par de brincos que Sara também havia gostado, reluzia na palma de sua mão!

-  Aqueles idiotas!... Ficaram tão ocupados em desconfiar de nós que largaram todas aquelas jóias espalhadas pelo balcão.

A reação de Sara foi de pânico.

-  Mas isso é roubo!
-  Ah, eu estava sentindo falta do nosso M.P.C.I. – justificou-se inocentemente – Mas não se preocupe, voltaremos lá e eu pagarei pelos brincos. Eu só quis dar uma lição neles.

Sara refletiu por um momento.

-  Dê-me os brincos e espere aqui.
-  O que vai fazer? Tenho que assinar o cheque...
-  Devolvê-los vai ser mais divertido.

Ela procurou diretamente pelo gerente. Colocou a jóia em cima da mesa com uma expressão abatida:

-  Eu sinto muito – murmurou em voz baixa – Foi mamãe... Ela é doente, sabe?... Cleptomaníaca.
-  Oh, eu lamento... Já tentaram algum tratamento?
-  Vários. Mas nenhum deu resultado.
E eu que pensei que elas fossem golpistas!...
-  Não quero que me interprete mal, mas sou responsável por essa loja... Tem certeza que ela não apanhou mais nenhuma peça?
-  Certeza, certeza mesmo, eu não tenho. Só vou ter, quando chegar a casa e despi-la completamente. Deve entender que não tenho como fazer isso aqui.
-  Claro, claro!... Bem, nesse caso, acho que devo pegar o endereço e o telefone...
-  Oh, não, não posso fazer isso!... Se a notícia se espalha... Pertencemos a uma família tradicional de São Paulo e... Eu sei que o senhor entende.

Ele engoliu em seco:

-  Naturalmente que sim.
-  Se encontrar mais algumas peças, pedirei ao motorista que venha devolvê-las o mais breve possível... Isto é, se ela não perder nenhuma pelo trajeto – acrescentou pesarosa.

Ele pressentiu que ia passar mal.

-  Talvez fosse melhor eu acompanhá-las até sua casa...
-  Acho que não é uma boa idéia. Meu irmão é uma pessoa importante, poderosa. Odiaria pensar que alguém possa ter constrangido mamãe. Eu temo pelo Senhor.
-  Entendo...

Ele afrouxou o nó da gravata, sua garganta parecia ter aumentado e estava sufocando-o.

-  De qualquer forma, se eu não voltar a procurá-lo, saberá que não havia mais nada com ela – concluiu Sara se retirando rapidamente.

Ele tentou chamá-la, pedir que esperasse, mas a voz não saiu.
                   
No carro, Sara narrou tudo à gargalhadas com D. Emília:

-  A senhora precisava ver a cara dele!
-  Daria um dos meus dedos para isso!

Feliciano olhou para trás com as sobrancelhas franzidas e um ar espantado no rosto.

-  Que olhar de reprovação é esse, Feliciano? – perguntou D. Emília – Saiba que proporcionamos a ele uma bela comissão!
-  E um belo inventário na loja, também! – completou Sara.

                   
De volta à mansão, D. Emília demonstrou cansaço além do normal e preferiu ir direto para o quarto. Sara banhou-a, vestiu-a e colocou-a na cama para repousar:

-  Acho que nos excedemos hoje – disse Sara – Às vezes me esqueço que não tem vinte anos.
-  Foi um dia magnifico e isso é o que importa – disse D. Emília com os olhos semicerrados.
-  De qualquer maneira, amanhã repousará para estar em forma na noite de Natal. Só faltam dois dias.
-  A propósito, Sara, quero que tire esses dois dias de folga e só volte para me apanhar no dia vinte e quatro.
-  Por que isso agora? – perguntou Sara intrigada.
-  Quero que aproveite esses dias para se preparar para festa e ficar um pouco com sua família. Eu tenho assuntos urgentes a tratar com Salgado, vou estar bastante ocupada.
-  E por isso não me quer aqui?
-  Não é isso... Vou com ele às tecelagens e a alguns outros lugares também.
-  É a segunda vez que me dá folga para ir às tecelagens. Ainda não compreendo por que não deixa tudo nas mãos de seu filho logo de uma vez.
-  É necessário que eu vá.
-  Não seja por isso, posso acompanhar a senhora...
-  Vai se aborrecer, Sara, eu prefiro que fique em casa.
-  Tudo bem, se a senhora insiste. Mas não gosto de pensar que vai sair de casa sem mim.
-  Eu vou sobreviver.
-  Eu sei, e odeio admitir isso. Acho que não quero encarar o fato que está se tornando independente.
-  Sabia que isso aconteceria um dia. Não era o que pretendia desde o começo?
-  Era. Mas o que eu não previ, é que eu poderia me tornar dependente.
-  Você também vai sobreviver.

                 
A ceia de Natal realizou-se num sítio que Alberto e Claudine recém adquirira a uns sessenta quilômetro da cidade. A casa era rústica e graciosa. Havia uma enorme sala que Claudine e Sara decorara com flores e enfeites natalinos. A enorme árvore de Natal quase tocava o teto; embaixo depositaram os presentes que seriam trocados. Leo vestiu-se de papai-noel, como fazia todos os anos e fornecia pistas dos presentes aos presenteados. À meia-noite em ponto, todos brindaram e cumprimentaram-se. Uma farta mesa aguardavam-os e a ceia foi servida a francesa.
                   
Além da família de Sara e Claudine, estavam presentes um grupo de amigos de Alberto. Plinio e seu novo namorado também compareceram. Sara apresentou D. Emília à todos e logo estavam à vontade conversando animadamente.
                   
A certa hora da noite, D. Emília rodou sua cadeira até a varanda frontal da casa. Parecia acometida por uma tristeza súbita. Sara recostou-se no batente da porta a olhá-la; Claudine notou a amiga e se aproximou:

-  Preocupada com ela? – perguntou.
-  Intrigada, seria mais correto dizer.
-  Ela parece triste – observou Claudine – Estava tão alegre ainda pouco...
-  Ela tem estado assim, ultimamente... Eu não consigo entender. Parece-me que a felicidade em demasia lhe doe o coração.
-  Imagine, Sara! Felicidade exalta o coração, a alma...
-  Não para ela.
                   
A copeira passava com uma bandeja e Sara apanhou duas taças de champanhe:

-  Eu vou até lá – disse ela.

Claudine segurou-a pelo braço:

-  Você gosta realmente dela não é mesmo?
-  Eu a trouxe de volta à vida... Sinto-me responsável por ela e por tudo que sente.
-  E isso não é gostar? – perguntou Claudine – Só uma filha seria tão dedicada e ninguém mais.
-  Está insinuando que eu a coloquei no lugar de minha mãe?
-  Você é quem está dizendo.

Sara fitou-a sem nada dizer e depois caminhou até D. Emília:

-  Vamos fazer um brinde? – sugeriu estendo-lhe uma taça.
-  E à que vamos brindar?
-  À vida. Ao milagre de estarmos vivas e com saúde. É isso que nos torna tão poderosas.
-  Se vamos brindar ao poder, temos que brindar ao dinheiro. Esse é o verdadeiro poder.
-  O dinheiro não é nada se não houver vida, não concorda?
-  Mas é capaz de mudar o rumo das coisas. Pode destruir ou consertar. Pode até mesmo comprar a redenção dos pecados.
-  Pode ser uma coisa boa se for bem direcionado – replicou Sara.

D. Emília levou o copo junto aos lábios e depois recuou sem provar da bebida.

-  Eu descobri isso um pouco tarde – disse ela – Não há mais muitas coisas a fazer.
-  Não diga isso... Tem tanto ainda a realizar. E eu não estou falando só de coisas que o dinheiro pode comprar.
-  Eu sei – concordou D. Emília – Você me mostrou uma outra forma de viver que eu não conhecia. Muito mais simples, e ao mesmo tempo mais intensa. Como pude ser tão idiota ao ponto de não enxergar essas coisas que estavam à minha frente?
-  De que está falando?
-  Dos meus desejos egoístas de vingança que me cegaram e me impediram de viver genuinamente... Você teve que entrar na minha vida para ensinar-me. E só podia ser você.

D. Emília parecia perturbada por fortes emoções. Sara virou seu champanhe de um só gole.

-  Todos nós temos uma boa dose de egoísmo – disse Sara – Claudine acha que o afeto que eu sinto pela senhora é em função de eu ter colocado-a no lugar de minha mãe. Isso, de certa forma, faz de mim uma egoísta, na medida em que estaria pensando só em mim; estaria preenchendo a lacuna que minha mãe deixou na minha vida.
-  É o maior absurdo que eu já ouvi em toda minha vida!
-  Eu ter colocado-a no lugar de minha mãe?
-  Não, você ser uma pessoa egoísta.
-  Não sou perfeita D. Emília, ninguém é. Por isso mesmo, não deve se atormentar tanto com os erros do passado... Reconhecê-los, na maioria das vezes, é o máximo que se pode fazer e a senhora já fez isso.
-  Talvez esteja certa. Talvez não.

Sara ergueu o copo em sua mão:

-  Ainda não fizemos nosso brinde e agora terei de fazê-lo com o copo vazio.
-  Então vamos brindar o inexistente, o que ainda está por vir – sugeriu D. Emília erguendo seu champanhe intacto – Brindaremos ao novo ano que vem chegando. Eu quero sugar até a sua última gota e vivê-lo intensamente.



2 comentários:

  1. Valeu, Bia, mais um capítulo muito bacana.
    Aguardaremos os próximos!
    Abç,
    Adh

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  2. Passei para deixar um beijinho e desejar
    que esteja bem.
    Irene

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Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Digam-me com sinceridade se estão gostando, ou não do romance. Críticas serão sempre muito bem vindas.

A todos dedico o meu carinho!
Bia Franco