terça-feira

CAPÍTULO XIII

"É Preciso Ver os Anjos"


Sara voltou para casa no dia seguinte e uma semana depois nada mais lembrava que estivera doente. Naquele Natal, Ingrid sentia-se especialmente feliz, parecia celebrar a vitória da vida sobre a morte.

Agnes concluiu que nunca tinha visto a irmã tão feliz:

- Olhe só para ela, Leopoldo, não parece uma criança? – cochichou Agnes.
Uma criança encantadora!

Em dado momento, Ingrid apanhou sua taça de champanhe e se pôs de pé:

- Atenção pessoal! – chamou ela, os presentes – Todos os anos a cabeceira da mesa de Natal tem permanecido vazia, pois ninguém aqui se julgou bom o bastante para ocupá-la. Hoje, porém, há entre nós alguém merecedor desse lugar de honra. Alguém muito especial que merece todo o nosso respeito e admiração. Pela sua coragem, pela sua dignidade e competência, eu sugiro que ela seja ocupada pelo Doutor Leopoldo de Palmas Ferreira. A ele eu ergo um brinde!

Terminado o discurso, ela tomou-o pelo braço solenemente e levou-o à cabeceira da mesa:

- Pode ocupá-la, é toda sua – disse fazendo reverencias. Todos aplaudiram.

Ao som de tilintar de taças, ele enxugou discretamente uma lágrima. Tão pouco ele, fora tão feliz em toda sua vida!

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Estavam no mês de abril de 1964, Ingrid estava exausta com as encomendas de vestidos de noiva que não paravam de chegar. Exausta, mas feliz. Os lucros se multiplicavam e vinham mantendo as despesas com a escola e o posto de saúde sem contar com os donativos que Agnes conseguia. Também haviam formado uma espécie de fundos para o sustento das pessoas muito idosas ou doentes que não podiam trabalhar. Não havia em toda Redentor, uma só pessoa que não estivesse amparada, pelo menos nas suas necessidades básicas.

Mas Ingrid não se dava por satisfeita. Maquinava dia e noite novas idéias, novos projetos e buscava meios de colocá-los em prática.

- Sabe Agnes, – disse ela certo domingo enquanto almoçavam – me incomoda o fato das pessoas velhas e de meia idade não possuírem dentes... E as crianças, então? Mal o dente nasce e já aparece a cárie! Tenho passado noções de higiene bucal a eles, mas isso só previne não conserta o que já está estragado.
- E o que pretende fazer a respeito, trazer um dentista para Redentor?
- Isso é muito difícil. Montar um consultório dentário fica muito caro, e depois não conseguiria um dentista.
- Conseguimos Leopoldo – disse Agnes.
- Não trilharia esse caminho novamente nem morta!... Caso contrário teria que bater de frente com aquele maldito!
- “Aquele Maldito” é o pai dele – lembrou Agnes.
- Eu sei. Se bem, que às vezes até me esqueço disso.
- Se não pode trazer um dentista, fica difícil resolver – concluiu Agnes – Mas se bem te conheço, não vai sossegar enquanto não resolver essa questão. É teimosa feito uma porta com molas!
- Isso é uma crítica ou um elogio?
- As duas coisas.

Agnes continuava falando das dificuldades que ela encontraria em conscientizar o povo de que tratar da saúde dos dentes era uma necessidade, mas parou de falar quando percebeu que Ingrid parecia não estar mais ali.

- Hei!... Dá para cair das nuvens e ouvir o que eu estou falando?
- Se Maomé não vai à montanha, a montanha vem a Maomé, não é assim que você diz?
- O que quer dizer com isso?
- Que já sei como resolver esta questão.

Ingrid viajou com Leopoldo para São Martinho dias depois daquela conversa com Agnes. Procuraram por Lúcio, amigo de infância de Leopoldo, agora dentista formado com um bem montado consultório no centro da cidade. Ingrid propôs a ele uma espécie de convênio: Um dia por semana, ele reservaria as consultas para os moradores de Redentor. Joaquim traria os pacientes pela manhã, bem cedo e os levaria de volta no final da tarde. O pagamento seria mensal; ela própria se incumbiria disso.

Dr. Lúcio confessou nunca ter realizado nada parecido, mas gostou da idéia. Era dinâmico, moderno e ambicioso. Sabia quando um horizonte de possibilidades se abria à sua frente e não deixaria escapar nenhuma delas. Foi Ingrid quem trouxe essas possibilidades e ele não fez segredo disso:

- Eu não só aceito sua proposta, senhorita, mas como também vou abrir outro consultório só para isso: atender pacientes das cidades vizinhas.

Quando chegou o mês de julho, Ingrid viajou com Dionisio para a Capital. Queria atualizar-se, comprar novos tecidos lançados no mercado, novos aviamentos, enfim, inovar sua coleção para não cair no enfadonho. Sara estava em férias escolar e Ingrid pensou a princípio em levá-la consigo, seria uma boa chance da menina sair de Redentor. Depois pensando melhor, acabou desistindo da idéia. Não se tratava de passeio, era trabalho; e trabalho duro. Dormiriam em hotel de terceira classe, andariam horas a fio à procura de boas mercadorias, passariam calor, frio e quem sabe, até fome se eles voltassem tarde para o hotel. Decidiu que programaria em breve uma viagem a passeio só para as duas. Devia isso a ela, mas por hora era melhor que ficasse com Agnes no convento.

Apesar das dificuldades costumeiras que enfrentavam para reduzir ao mínimo os custos com a viagem, estavam satisfeitos com as compras ao desembarcarem de volta na estação ferroviária. Joaquim esperava-os para ajudar com os pacotes e levá-los de volta à cidade:

- Fizeram boa viagem? – perguntou ele.
- Foi uma viagem muito produtiva – respondeu Ingrid.
- Dionisio fez tudo direitinho?
- Melhor do que eu esperava – disse ela – Tem um filho maravilhoso, Seu Joaquim.
- Obrigado – agradeceu o homem com voz impregnada de orgulho.

Quando chegaram a casa e o último pacote fora descarregado, Ingrid notou que Joaquim agia de modo estranho. Não foi embora imediatamente, rodeava-a e parecia querer lhe falar. Decidiu que tinha que tomar a iniciativa:

- Está tudo bem por aqui?- perguntou.
- Tá.
- Está mesmo? – insistiu ela.
- Bem... Tem uma coisa... Não sei se é importante...
- Fale seu Joaquim! – incentivou-o.
- “Teve” um homem aqui no mesmo dia em que vocês viajaram... Foi em todas as casas fazendo perguntas...
- Que tipo de perguntas?
- Ah... O nosso nome... Quanto tempo moramos aqui... Quanto mede nossos terrenos... Essas coisas. Escrevia tudo num papel e disse que era para o nosso bem, mas num sei não.
- Como era esse homem?... Quero dizer, estava bem vestido, a pé ou de automóvel?
- Era magro, “tava” de terno e gravata e dirigia um carrão preto com placa de São Martinho.
- Santo Deus!
- É alguma coisa grave, Dona Ingrid? – perguntou ele com ar preocupado.
- Ainda não sei... Pode ser que não, fique tranqüilo – acalmou-o – Mas me diga, o que mais o senhor viu?
- Mais nada. Só isso mesmo.
- Quanto tempo ele ficou por aqui?
- Dois dias. Ficou por ai andando, olhando tudo. Depois dormiu no automóvel mesmo lá “pros” lados da roça de mandioca do Sebastião, que eu vi.
- E no dia seguinte, o que foi que ele fez?
- Foi nas casas que ainda faltava e depois foi embora.
- Está bem, Seu Joaquim, pode ir agora. Obrigada por ter me contado.

Ingrid pediu a Dionisio que desfizesse os pacotes e colocasse as mercadorias nas prateleiras, tinha que ver Leopoldo o mais rápido possível. Chegando ao posto, constatou o que suspeitava, ele também vira o tal homem e partilhavam das mesmas suspeitas:

- Então você já soube? – perguntou Leopoldo.
- Já. Acha que é o que eu estou pensando que é?
- Acho. Mas só há um jeito de termos certeza: Esperar.
- Esperar? Está sugerindo que devemos ficar aqui esperando o pior e não fazer nada? – perguntou inquieta.
- E o que é “o pior”? – perguntou Leopoldo – Nem sabemos ainda do que se trata.
- Não sabemos, mas podemos bem imaginar!
- Mas não temos como provar. É isso que eu quero que você entenda – ponderou, ele – Não podemos sair por ai acusando alguém só por que esteve aqui fazendo algumas perguntas inocentes as pessoas... Só nos resta esperar, Ingrid. Seja o que for, cedo ou tarde saberemos.
- Tem razão – disse ela conformada – Devemos esperar. Só não sei se vou aguentar.
- É uma mulher corajosa, vai aguentar essa também.
- Não sei, não... Ando tão cansada de problemas, logo agora que ia tudo tão bem. Mal acabo de chegar de viagem e...

Ela sentiu o acelerar do coração. Um pressentimento terrível começava a apoderar-se dela.

- Leopoldo... Não acha estranho que esse homem tenha vindo investigar a cidade justamente na minha ausência?
- Não tinha pensado nisso... O que quer dizer?
- Que estou sendo vigiada.

Leopoldo calou-se diante dessa revelação, pois não mais encontrou palavras adequadas para tranquilizá-la. No seu íntimo, sabia que ela estava certa, sabia que algo de muito ruim estava para acontecer. A visita daquele homem na ausência dela lembrava um estilo astuto de agir que lhe era bem familiar. Ou muito se enganava, ou a essa altura dos acontecimentos, o Coronel Ferreira já sabia melhor que ninguém, tudo que acontecia em Redentor das Pedras.

Nos dias que se seguiram, Ingrid mal pode se concentrar no trabalho. Andava tensa, ansiosa, desejava que tudo acabasse logo de uma vez. Nos últimos dez dias, trabalhara no novo mostruário e agora dava as últimas recomendações à Dionisio que viajaria para a Capital no lugar de Leopoldo na manhã seguinte:

- Você entendeu tudo? – perguntou ela.
- Entendi sim, senhora.
- Acha que pode dar conta de tudo sozinho?
- Vou tentar... – disse ele, meio hesitante.

Ingrid sentiu um aperto no coração em mandá-lo sozinho à Capital na difícil tarefa de demonstrar um novo mostruário e abrir novos pontos de venda. Essa seria tarefa de Leopoldo, entretanto, preferiu não arriscar mandá-lo viajar por esses dias.

- Ouça Dionisio, não quero que faça nada que não julgar ao seu alcance. Seja qual for o resultado dessa viagem, eu serei sempre grata por estar me prestando esse favor, combinado?
- Sim, senhora.
- Pode ir agora e boa viagem.

Dionisio saiu do salão em direção à rua, mas no minuto seguinte estava de volta.

- Esqueceu alguma coisa? – perguntou-lhe Ingrid.
- Não... É que tem um homem ai fora num automóvel querendo falar com a senhora.
- Um homem?... Num automóvel?...

Ingrid sentiu o coração pular dentro do peito. Havia chegado o momento, então. Ela refletiu por um instante, depois disse ao rapaz:

- Mande-o entrar, por favor.

Não iria até ele. Se tinha que enfrentar a fera, o faria em seu próprio território.

- Quer que eu fique por aqui, dona Ingrid? – perguntou Dioniso.
- Creio que não será necessário, obrigada – disse ela.
- Em todo caso vou ficar lá fora, se precisar, a senhora me chama.

Dionisio saiu e logo em seguida o homem apareceu diante dela. Numa rápida análise, ela constatou não se tratar da mesma pessoa que Joaquim descrevera. Esse era alto e forte, calvo e de pele clara. Trajava paletó e gravata e trazia nas mãos dois enormes feixe de envelopes brancos e uma pasta de couro marrom.

- Dona Ingrid Vankovsk? – perguntou o homem. Tinha uma voz grave e forte.
- Eu mesma.
- Sou oficial de justiça do fórum da Comarca de São Martinho e...
- Não quer se sentar? – interrompeu-o.
- Não, obrigada – disse ele soltando os elásticos que prendiam os envelopes – O motivo que me traz aqui é rápido e não tomarei muito do seu tempo, uma vez que a senhora é uma mulher muito ocupada, não é mesmo?

Havia certo tom de deboche naquelas palavras e Ingrid engoliu em seco antes de responder:

- Tem toda razão. Devemos por tanto ir direto ao assunto. O que exatamente o traz aqui em minha casa?
- Essas notificações – respondeu ele – Minha função é entregá-las à senhora.
- Do que se tratam?
- Saberá quando abri-las. Há uma para cada morador.
- E por que está entregando todas a mim? – perguntou com frieza.
- Ora, Dona Ingrid... Fui informado que a senhora é a líder por aqui...
- Pois o senhor está muito mal informado. Não sou líder de coisa nenhuma – disse secamente.
- De qualquer maneira, deixarei aqui para que a senhora entregue...
- Ficarei somente com a minha – declarou ela, cortando-o.

Não facilitaria as coisas em nada para ele. Se quisesse que as correspondências fossem entregues, teria que fazê-lo ele mesmo uma a uma.

O Homem olhou-a como se fosse devorá-la:

- Como quiser. Há três endereçadas à senhora.
- Três?!
- Isso mesmo. Além da sua casa, a correspondente a escola e o posto de saúde, também estão em seu nome.
- Tem uma para Deus, também? – perguntou entre dentes.
- O que disse?
- Disse que esqueceu da igreja.
- Tem razão... Não há nenhuma para a igreja...
- Bem se o senhor já terminou, peço a gentileza de se retirar. Como disse ainda pouco, sou uma mulher muito ocupada – disse ela levantando-se.
- Só mais uma coisa. Pode assinar aqui, por favor? – ele indicou uma linha numa folha de papel.

Ingrid apanhou a caneta e não pode controlar um impulso. Escreveu: “vá para o inferno”

O homem leu e olhou-a com um sorriso provocativo:

- É exatamente como a descreveram senhorita Vankovsk: Uma mulher muito atrevida. Mas devo informá-la que esse seu atrevimento de nada adiantou. Qualquer rabisco que fizer valerá como assinatura.
- Pelo menos mandei o meu recado.

O homem saiu e ela ficou ali como que paralisada, olhando para os três envelopes em suas mãos. O que estaria escrito ali dentro? Que aflições teria que suportar depois de abrir aqueles envelopes? Estranhamente não se sentia preparada ainda para abri-los.

- Dona Ingrid... – chamou Dionisio – A senhora está bem?
- Dionisio... É capaz de guiar o furgão?
- Sim, senhora. O meu pai me ensinou.
- Pode me fazer um favor?
- Claro, Dona Ingrid – respondeu prontamente.
- Vá até o posto buscar Leopoldo e depois vá até o convento buscar minha irmã. Diga a eles que tenho um assunto urgente a tratar-lhes.

Ingrid andava de um lado a outro do salão enquanto Leopoldo lia o conteúdo dos envelopes. Agnes, sentada à mesa, aguardava com ar preocupado o desenrolar dos acontecimentos.

- É uma notificação – disse ele por fim.
- Sim, isso eu já sei, mais e daí? – perguntou Ingrid.
- É um documento que nos notifica, ou seja, que nos dá ciência que se está movendo uma ação...
- Pelo amor de Deus, Leopoldo, seja mais objetivo! – pediu ela Aflita.

Leopoldo pretendia dar a notícia aos poucos, pois sabia o quanto ela ficaria chocada. Não funcionou. Era melhor falar tudo de uma vez:

- Há uma ação judicial de reintegração de posse dessas terras tramitando no fórum de São Martinho.

Ingrid deixou-se cair pesadamente numa cadeira. Sentia-se atordoada e confusa.

- Está... está me dizendo que vamos ter que sair daqui e devolver essas terras, é isso?
- Não é bem assim, Ingrid, temos defesa, é só uma ação – esclareceu ele.
- Leopoldo tem razão, Ingrid – disse Agnes tentando acalmá-la.
- Quem está movendo? – perguntou ela.
- O Major Coutinho Dantas. Ele deve ser o dono das terras.
- Isso significa que esse tal Major é o responsável por todas aquelas mortes, inclusive a do meu pai? – perguntou Ingrid.
- Não, necessariamente. Nem sempre o dono das terras é quem as explora – esclareceu Leopoldo – Certamente ele firmou algum tipo de contrato com a empreiteira.
- Quem é ele, você o conhece?
- Ele... ele é amigo íntimo do prefeito, Ingrid...
- O prefeito!.. Claro!... É ele novamente!
- Eu sinto muito – desculpou-se Leopoldo.
- Não seja bobo, você não tem culpa de nada!... O que vamos fazer agora? – perguntou ela.
- Precisamos de um advogado.
- Conhece algum na Capital?
- Conheço vários. Mas receio que tenhamos que contratar um de São Martinho para facilitar na defesa.
- Como podemos fazer isso, se todos naquela cidade soletram na cartilha de seu pai? – perguntou ela em desalento.
- Todos, menos um. – respondeu ele.
- O que está querendo dizer?
- Que conheço um advogado que talvez aceite a causa. O nome dele é Anselmo, o filho do Tonico.
- Filho do Tonico? Mas o Tonico não é o capataz de seu Pai?
- É uma longa e velha história. O Tonico trabalha para o meu pai há mais de quarenta anos; homem leal, cumpridor do dever, porém, nunca passou de um empregado que cuidava do gado, do cafezal... Mas aconteceu que Anselmo e Joana, minha irmã mais velha, apaixonaram-se na adolescência e encontravam-se às escondidas. Meu pai, desconfiado mandou vigiá-los e descobriu tudo. Não contou nada a ninguém, porém mandou Anselmo para São Paulo estudar direito e quando ele voltou meu pai já havia tramado para que ela tivesse casada com outro. Anselmo nunca o perdoou por isso apesar de ele ter custeado seus estudos até o fim. Entende agora porque eu disse que ele aceitará fazer nossa defesa?
- Então o que estamos esperando para ir falar com ele?

O escritório de advocacia do Dr. Anselmo Peixoto ficava num prédio recém construído no centro da cidade. Chegaram quase ao anoitecer, mas ainda a tempo de pegá-lo trabalhando. Após as apresentações, Ingrid fez um breve relato dos acontecimentos e entregou a ele as notificações. Ele leu-as atentamente.

- Não restam dúvidas que vai ser uma briga de foice! – exclamou o advogado.
- Por favor, Doutor, explique-nos detalhadamente – pediu Ingrid – Leopoldo e eu não entendemos bem dessas coisas.
- É simples – disse ele – O Major, que possui a propriedade legítima das terras, as quer desocupada, livre e desembaraçada.
- E porque só agora ele aparece, depois de tantos anos? – perguntou Ingrid – Nunca soubemos quem realmente era o dono daquelas terras.
- Talvez porque antes não valessem grande coisa, mas agora...
- E isso é legal? – perguntou Leopoldo.
- Teoricamente sim – respondeu Anselmo – Isso também não quer dizer que não podemos contestar a ação, e tentar encontrar uma brecha na lei afim de que vocês possam a vir possuir os direitos legais das terras, e passar a pagar os impostos devidos.
- Quer dizer que há uma saída? – perguntou Ingrid com uma ponta de euforia na voz.
- Ainda não posso afirmar com certeza, preciso examinar cuidadosamente o processo no fórum para depois elaborarmos as estratégias de defesa – concluiu.
- Quando voltamos a nos falar? – perguntou ela.
- Vão ficar na cidade?
- Podemos ficar o tempo que o senhor achar necessário – adiantou-se ela.
- Ótimo! – exclamou Anselmo – Nos falaremos aqui amanhã ao meio dia em ponto.

À noite no hotel, Ingrid desceu para o jantar. Estava sem nenhum apetite, mas queria conversar um pouco com Leopoldo, precisava desabafar:

- Estou tão preocupada com o pessoal lá de Redentor... Como terão recebido as notificações? Será que sabem o que está acontecendo?
- Não se preocupe tanto – disse Leopoldo – Agnes falará com eles, tem jeito para isso... Você mal tocou na comida.
- Estou sem apetite.
- Sei como está se sentindo, mas tudo que você não precisa agora é ficar doente – disse ele em tom paternal.
- Não imagina como estou me sentindo culpada – disse tristemente – Eu provoquei tudo isso com minha intolerância, esse meu gênio maldito!... Não sei por que perco o controle às vezes. Digo e faço coisas... Coloquei tudo a perder.
- Ora, Ingrid, você é a pessoa mais correta que eu já conheci em toda minha vida. Não suporta injustiças... Nunca pensa em si mesma, está sempre pensando nos outros... Porque não para de se culpar e faz alguma coisa para si própria pelo menos uma vez?

- Leopoldo... Tenho um pedido a fazer-lhe.
- Pois então peça. Disse que pode contar comigo.
- Daqui em diante eu vou continuar sozinha. Voltará para Redentor amanhã de manhã. Quero que fique fora disso.
- O que está dizendo? Está me pedindo para fingir que não aconteceu nada? Nem pensar!
- É exatamente isso que eu estou lhe pedindo – disse olhando-o diretamente nos olhos – Se levar isso adiante poderá se machucar.
- Não vou lhe atender dessa vez...
- Será que você não percebe?... É com o seu pai que estamos brigando!... Droga!! Eu não suportaria ter que magoá-lo também!

Ela nem notara o quanto havia aumentado o tom de voz, estava quase gritando e todos no restaurante olhavam em sua direção. Um calor sufocante subia-lhe ao rosto.

- Está perdendo o controle novamente – cochichou-lhe Leopoldo.
- Desculpe-me...
- Deixa eu te dizer uma coisa, Ingrid, de uma vez por todas: É lá que eu moro, é lá que eu trabalho. Não é mais uma cidade qualquer, é a minha cidade! Portanto, não tente me impedir de fazer algo para defender o lugar que eu escolhi para viver!... E quanto ao meu pai, só estamos lhe dando um pouco do seu próprio veneno... Ou você se esqueceu que foi ele quem me mandou para Redentor?
- Como poderia me esquecer? Não é todo dia que eu ganho um presente maravilhoso dos meus inimigos.

Depois do jantar, Ingrid subiu para o quarto no quinto andar do hotel, mas estava agitada demais para dormir. Da janela dava para avistar a praça e a igreja de Frei Henrique. Era início de madrugada. Recostada na janela, perguntava-se se ele ainda estaria na cidade, ou quem sabe, não tenha suportado a pressão e ido embora para sempre. Nesse momento, uma luz se ascendeu na casa paroquial. É ele – pensou – Está acordado. Parecia hipnotizada por aquela luz. Recordou os momentos que passaram ali mesmo naquela casa. As longas conversas, os sonhos compartilhados... E aquele beijo... Ainda podia sentir o calor dos seus lábios roçando os seus... Essas lembranças fizeram-na estremecer; poderia viver delas pelo resto de sua vida. Todos diziam que ela era uma mulher forte, mas lutar por ele seria o mesmo que competir com Deus, e essa era uma batalha perdida; estava condenada a andar sempre às margens do sonho. No entanto, sentia um desejo incontrolável de tomá-lo pela mão e conduzi-lo ao desconhecido como se estivesse raptando uma criança, mas refreava-se. E somente ela sabia o quanto isso lhe custava. Porque não faz alguma coisa para si própria pelo menos uma vez?

Embora fosse inverno, seu corpo todo ardia em chamas. Deu voltas no quarto abanando-se como numa dança delirante. Entrou no banheiro, abriu o chuveiro e começou a despir-se num desvario alucinante. Deixou-se molhar por inteira pela água morna. Percorreu com as mãos todos os caminhos do prazer e eles falavam por si só. Mente e corpo sintonizavam-se num desejo único e urgente.

Deixando-se guiar cegamente pelas emoções, ela saiu do chuveiro, foi até o armário e apanhou seu casaco. Vestiu-o com o corpo ainda molhado e saiu pela madrugada afora.

A porta estava aberta. Ingrid tocou-a de leve e entrou; foi direto ao quarto. Frei Henrique estava recostado à cama, as pernas esticadas ao longo, as mãos ainda seguravam o livro aberto depositado sobre as coxas. Olhava para o nada como se desistisse de se concentrar na leitura.

Ele a viu ali, parada junto à porta, os cabelos molhados em desalinho:

- Ingrid!... Soube que estava na cidade...
- Por isso deixou a porta aberta.
- Não... ia trancá-la... Estava sem sono, queria ler um pouco...
- É mentira – afirmou ela caminhando em sua direção – O simples fato de saber-me tão perto lhe tira o sono, confesse!

Com agilidade desatou o laço de seu robe e começou a tirá-lo.

- O que esta fazendo?
- Tirando sua roupa. Onde está sua batina?
- O que?
- Sua batina... Quero que vista para mim. Odeio os homens, mas me apaixonei por um padre. Quero que me ame como tal.
- Está perturbada... Posso ouvi-la em confissão...
- Não seja hipócrita, o que quer fazer comigo não se parece em nada com uma confissão... Nem eu vim aqui para isso.
- Não, eu não posso...

Ela desabotoou a parte de cima de seu pijama e jogou para traz deixando seu peito nu. Acariciou-o no pescoço, nos ombros, nos mamilos... Tocou levemente com os lábios em sua pele macia. Seu cheiro era estonteante e ela começou a falar em húngaro como num delírio... Szeress most kapcsolja ki a tüz a szenvedély, aki fogyaszt, nekem...

Ele não ofereceu resistência, estava enfraquecido e ela foi em frente. Com intrepidez, puxou a parte de baixo do pijama juntamente com tudo que havia por baixo. Sua magnitude o desmentia.

- Você perdeu o juízo...
- E muitas outras coisas, também... Já não tenho mais nada a perder.

Ela deixou-o, foi até o armário e apanhou a batina. Jogou por cima de sua cabeça e vestiu-o. Num gesto repentino, deixou cair o casaco revelando toda a sua nudez. Ele serrou os olhos. Não, não posso olhá-la... Deus meu, como é linda!

Com movimentos hábeis subiu sobre ele. Afastou ligeiramente a batina para sentir seu calor latejante; comprimiu seus lábios nos deles num longo e ardente beijo.

- Parece possessa – disse ele, ofegante quando ela soltou-o.
- Sim, eu estou possessa... Pela volúpia, pelo fogo da paixão que me queima...
- Podemos parar agora e ninguém nos condenará – arrazoou ele em fuga.
- Esta cidade já nos condenou como amantes.
- Mas ainda temos nossa consciência... Essa não poderá nos condenar...
- Para os diabos com a nossa consciência!! – gritou ela impaciente – Será que terei de amarrá-lo?
- Ingrid!!
- Não diga nada, apenas me beije...
- Não sabe o que está fazendo... Os meus votos...
- Eu assumo esse pecado – sussurrou em seu ouvido – ... por mim e por você.
- Deixe-me – pediu ele debilmente.
- Deixarei... se disser que não me quer... Diga se for capaz e eu irei embora.
- Oh! Ingrid, meu amor... Sabe que eu a quero, mas...
- Então me ame... Me ame intensamente, porque essa, poderá ser a única vez.

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Leopoldo estava impaciente no saguão do hotel. Quase onze da manhã, e Ingrid ainda não havia descido para o café. Desse jeito iremos chegar atrasados – pensava ele – Talvez eu deva subir e ver o que está acontecendo... Pode ter ficado doente. Estava tão abatida ontem...

Ele girou a maçaneta e constatou que a porta não estava trancada. Hesitou por um momento, não devia entrar sem bater, mas era tarde: estava a meio corpo dentro do quarto em penumbra. Ingrid estava na cama na mais encantadora visão que seus olhos já viram. O corpo meio coberto, meio desnudo pelo lençol, revelava as pernas e o colo alvos como a luz da manhã. Pelo fino tecido, ele desvendou-lhe os contornos dos seios, as delineadas curvas dos quadris. Os cabelos espalhados pelo travesseiro, as mãos soltas ao acaso, e no rosto, ainda que adormecida, uma confissão inerente de felicidade. Era pura sensualidade. Leopoldo se pôs a pensar por quais sonhos estaria ela andando para deixá-la assim, tão extraordinariamente bela.

Era uma incógnita aquela mulher. Ainda ontem estava triste, frágil como uma criança amedrontada. E agora, dormia serena como se o mundo todo tivesse parado aguardando seu despertar. Comparava-a a uma gema de diamante lapidado com suas múltiplas facetas, que hora brilha, hora ofusca, mas combinadas, fascinam e encantam qualquer admirador.

Desviou os olhos dela para olhar o quarto. O negro casaco aveludado descansava displicente numa poltrona no extremo oposto; a camisola rosa de cetim e suas peças íntimas se achavam espalhadas pelo chão junto à porta do banheiro. Sentiu o pulsar da excitação ao imaginá-la totalmente nua. Pé ante pé, avançou para o interior do quarto e apanhou as peças ao chão. Levou ao rosto numa ânsia louca de subtrair delas o cheiro íntimo da mulher amada.

Ingrid revirou-se na cama e ele deixou o quarto assustado e ofegante. Fechou cuidadosamente a porta atrás de si, aguardou por alguns minutos no corredor antes de bater.

- Ingrid, sou eu!... Tem que levantar-se... Estamos atrasados.
- “Leopoldo?...” – responde ela de dentro do quarto – “Desculpe-me...” “Acho que dormi demais...” “Vou descer em poucos minutos.”
- Tudo bem... Sei o quanto está cansada.

Ao meio dia em ponto, ela e Leopoldo estavam diante de Anselmo.

- Então Doutor, examinou o processo? – perguntou Ingrid.
- Vocês não imaginam o que eu descobri! – exclamou ele – O major adquiriu aquelas terras somente há dois anos!
- Quer dizer que havia outro dono? – perguntou Ingrid
- Exatamente – disse o advogado – Mas não é só isso.

Ingrid temeu o que ainda viria pela frente.

- Quem vendeu as terras para o Major foi o seu pai, Leopoldo.
- Meu pai?... – balbuciou Leopoldo – Nuca soube que aquelas terras lhe pertenciam...
- Pois eu não fiquei nem um pouco surpresa – confessou Ingrid – Eu lhe preveni que é com ele que estamos brigando.
- Isso eu ainda não posso afirmar – disse Anselmo – Mas ele pode muito bem ter induzido o Major a mover a ação. Eles são amigos e o Major deve muitos favores à ele... Depois de tudo resolvido, ele adquire as terras de volta sem nenhum comprometimento.

Leopoldo estava impressionado ao descobrir que Anselmo conhecia tão bem o Coronel. Só uma coisa ele não sabia: Que o pai havia planejado usá-lo como testa de ferro antes do Major para retomar a cidade. Mas isso agora não tinha a menor importância.

- Deve estar arrependido de ter vendido aquelas terras – deduziu Ingrid – E pensar que fui eu quem provocou esse arrependimento revelando-lhe todo o nosso progresso... Como alguém pode ser tão... tão...

Ingrid sentiu-se enojada só de imaginar até onde o Coronel Ferreira seria capaz de ir para executar seus planos de ambição. Arrasaria a vida de inúmeras famílias sem pestanejar. Mas não se tratava só de ambição, ela sabia: Ele queria vingança.

E Leopoldo, como estaria se sentindo? Ela se deu conta que ele estava calado e pensativo. Sabia o quanto aquela conversa poderia estar sendo difícil para ele. Ela e Anselmo estavam ali, enumerando as façanhas sórdidas de um homem, que por pior que fosse, carregava o sangue dele nas veias. No entanto, por mais que lhe doesse, tinha que seguir em frente. Pensaria em consolar Leopoldo depois.

- Bem, o que vamos fazer agora? – perguntou ela.
- Vou entrar com um pedido de usucapião e enquanto isso a ação de reintegração fica sustada até ser julgado o pedido...

Anselmo parou de falar ao notar a expressão no rosto dos dois.

- Vou explicar melhor: Todo indivíduo que habita uma terra e tira dela seu sustento de uma maneira ou de outra, por um período que varia, conforme o caso, de cinco a vinte anos, torna-se dono dela. Isso é usucapião
- Mas ainda não se completaram vinte anos desde que os meus pais chegaram a Redentor – esclareceu Ingrid
- Eu sei – concordou ele – Mas vou estudar cuidadosamente o caso para ver onde se encaixa melhor... De qualquer maneira, vai depender muito de como eu colocar os fatos para que o juiz entenda que vocês realmente merecem a posse legal das terras, apesar de não terem pagado os impostos por todos esses anos de ocupação. É uma tentativa. Talvez consigamos forçar um acordo para a compra com preços justos e financiamentos equivalentes à renda de cada um.
- Quer dizer que temos uma chance? – Os olhos dela brilhavam.
- Tenho quase certeza que sim – garantiu Anselmo – Podemos até perder aqui, onde promotores e juizes são aliados do Coronel, mas podemos recorrer e ganhar em segunda instância... Vamos lutar com otimismo e venceremos!
- Você ouviu isso, Leopoldo? – perguntou eufórica – Até que em fim uma boa notícia!
- Ouvi... ouvi, sim, Ingrid – disse ele forçando um sorriso – Pode não parecer, mais estou muito feliz em saber que há uma possibilidade de tudo acabar bem.
- Eu sei que está feliz e também sei como se sente... Lamento que tenha chegado a esse ponto...
- Agora temos que tratar da parte prática – cortou Anselmo – Preciso que um de vocês assine-me uma procuração e providencie alguns documentos o mais rápido possível. Vou lhes passar a relação... Quem responderá por todos? Facilitará bastante, se todos os moradores passarem procurações para um de vocês.

Ingrid e Leopoldo se entreolharam por um momento.

- Eu responderei por todos – disse ela.
- Então por hoje é só – disse Anselmo
- Não Doutor, ainda falta tratarmos do seu pagamento – disse Ingrid – Não temos muitos recursos, mas pretendo reunir-me com o pessoal, informar-lhes da situação e trabalharemos dia e noite se for...
- Não será necessário – interrompeu Anselmo – Não pretendo cobrar nada de vocês. Leopoldo e eu nos conhecemos há muito tempo... Sabe que eu até o carreguei no colo? – Ele fez uma pequena pausa, fixou o olhar num ponto como quem recorda o passado –... E faço também pelos velhos tempos.

Ao deixar o escritório, Leopoldo pensou na ambigüidade das palavras de Anselmo:“Faço pelos velhos tempos”. Estaria ele referindo-se à amizade antiga que possuíam, ou via nesse caso a oportunidade de dar o troco ao Coronel Ferreira? Enquanto ainda estavam no escritório, Leopoldo notou em cima da escrivaninha uma anotação onde estava escrito apenas “Advogado: Luiz Gastão Amorim Boa Ventura.” Um nome que ele conhecia tão bem, o nome do marido de Joana, sua irmã. Deduziu rapidamente que o cunhado estava advogando para o Major naquele caso. Não pôde deixar de pensar na ironia do destino. De certa forma, o cunhado e Anselmo duelariam afinal. E venceria o melhor.


Em Redentor, Ingrid reuniu o maior número de pessoas possível no pátio da escola, queria relatar-lhes à cerca dos últimos acontecimentos.
Falou a eles de maneira branda e suave, não queria assustá-los; buscava palavras simples e de fácil compreensão. Entretanto, omitiu alguns fatos. De nada adiantaria causar-lhes mais sofrimentos e um alvoroço consequente.

Terminado os relatos, pediu a eles que num prazo de dez dias, passassem pela sua casa para assinar as procurações que Leopoldo buscaria com Anselmo. Terminou afirmando que eles poderiam confiar nela e eles realmente confiavam. Dava para ver em seus rostos.

Duas semanas depois, Leopoldo jantava com Ingrid e Sara, acabara de chegar de São Martinho.

- Como foi com Anselmo? – perguntou Ingrid.
- Entreguei as procurações... Conversamos um pouco.
- Quando o veremos novamente?
- Disse que mandará um mensageiro. Disse-me, também, que esse processo pode se arrastar por meses. Até anos – relatou Leopoldo.
- Tudo isso?
- É que quem perder, sempre recorrerá da sentença.
- Vai ser uma briga feia.
- Ingrid... Como foi mesmo que disse que chamava a empreiteira que extraía o carvão das minas?
- Extraminas.
- Como?
- Extraminas e Companhia Limitada, por quê?
- Porque... porque Anselmo descobriu que essa companhia também pertencia ao meu pai.

Ingrid experimentou aquela costumeira sensação de que o ar sumia de suas narinas. Levantou-se instantaneamente da mesa, mas teve que apoiar-se para não cair. Sentiu que o jantar revirou-se no seu estômago. Estava boquiaberta! Franziu as sobrancelhas num semblante de cólera. Por alguns momentos não conseguiu pronunciar nenhuma palavra, só imagens de horror vinham à sua mente.

- Ingrid, eu sei que essa notícia é péssima, mas eu tinha que lhe contar... Não podia...
- Sabe... sabe o que isso significa? – perguntou balbuciante -... Pois eu vou lhe dizer... Significa que foi ele quem explorou os mineiros sugando-lhes até a última gota de sangue e depois os abandonou sem salários, levando-os ao desespero e a morte...

Enquanto falava, o ódio ia se apoderando mais e mais dela:

- ... Desespero de verem seus filhos chorando de fome em condições desumanas de sobrevivência... Muitos não aguentaram... Dezenas deles morreram lutando pelo que já lhes pertenciam por direito!... Meu pai morreu naquela explosão!! – gritou ela em descontrole –... E minha mãe – disse entre lágrimas – Morreu um ano depois de tristeza...

Leopoldo entregou-lhe um lenço para enxugar as lágrimas que inundavam o seu rosto e molhava sua blusa na altura do busto. O que mais podia fazer?

- Sei o quanto tudo isso foi horrível – disse ele contristado – Eu era ainda um menino, mas lembro-me quando essa tragédia aconteceu. Lembro dos comentários da minha mãe com meu pai, dizendo que ele tinha que fazer alguma coisa. Lembro dele trancado por horas com alguns homens no escritório... Só não sabia que ele era o responsável.
- Como foi que Anselmo descobriu? – quis saber ela.
- Remexendo uns papéis antigos na casa do pai dele.
- E o que mais ele descobriu?
- Tonico contou a ele que o meu p... que o Coronel Ferreira fundou a empreiteira somente para explorar as minas que se achavam num pedaço de terra que ele acabara de comprar...

Leopoldo parou de falar, decidia se deveria ou não contar-lhe o resto.

- Fale, Leopoldo, conte-me tudo!
- Com os lucros, comprou o restante das terras até as divisas de uma outra fazenda que já possuía, unificando-as. Acabou com isso, desviando mais dinheiro do que poderia da empreiteira e ela passou a dar prejuízos... Bem, o resto você já sabe.

Ingrid se lembrou das palavras que havia dito ao Coronel em seu gabinete na primeira vez em que estivera lá e sentiu medo. Um medo terrível do que ainda podia esperar daquele homem sem alma e nenhum escrúpulo.

- Agora eu sei, Leopoldo... Agora eu sei por que ele me odeia tanto... Cruzei o seu caminho de forma desafiadora... Ousei apontar os seus crimes e fiz mais do que isso: Consertei seus estragos do passado e ainda por cima tenho seu filho como o meu maior aliado.
- E terá para sempre.

Dias depois, Ingrid recebeu uma correspondência de Anselmo trazida por um portador. Dizia “que por motivo de força maior” havia entrado com a “petição de usucapião” diretamente em segunda instância, ou seja, no Fórum da Capital.

Pensou em viajar para São Martinho afim de falar pessoalmente com Anselmo, mas estava atolada de trabalho, e depois confiava nele. Sabia que ele a manteria informada dos fatos e procurou afastar as preocupações.

No domingo, na saída da missa, Sara cochichava com Leopoldo:

- O que acha da idéia? – perguntou ela a Leopoldo.
- Acho ótima.
- Mamãe anda tão triste com tudo isso... Tem chorado às vezes. Ela tenta disfarçar, mas eu percebo tudo. E depois ela nunca teve uma festa de aniversário... Acha que ela ficará feliz?
- Naturalmente que sim! Quem não gosta de uma festa surpresa?... Que dia vai ser?
- Dia doze do mês que vem.
- Já falou com sua tia?
- Já. Tia Agnes fará o bolo e os doces com dona Benedita, e eu vou fazer os enfeites e os cartazes para decorar o salão de costura. Quero que você convide o maior número de pessoas possível.
- Como fará a decoração sem que ela veja?
- Vou fazê-las à noite depois que ela dormir. Combinei tudo com Dionisio: Inventaremos uma desculpa para que ela saia de casa no final da tarde, e enquanto isso, eu e ele arrumaremos o salão. Você dirá aos convidados que estejam prontos na hora combinada que Dionisio irá buscá-los com o furgão de tia Agnes. Não é um plano perfeito?
- Mais do que perfeito.

Ingrid observava-os de longe. Assim como estavam, caminhando juntos de braços dados, pareciam irmãos. Apreciava aquela amizade.

Ela apertou o passo para alcançá-los:

- O que andam cochichando? – perguntou ela fingindo excessiva curiosidade – Por acaso é algum segredo?

Sara olhou em socorro para Leopoldo.

- Nada demais – disse Leopoldo – Estava dizendo a Sara que alguma coisa me diz que Redentor ainda vai se tornar uma grande cidade.
- Está roubando minha profecia.


8 comentários:

  1. Lido e conferido! Nem preciso dizer o quanto estamos torcendo. Curiosamente, em alguns livros a gente percebe antes o desenlace; neste, sem chance! Pelo jeito a coisa só se resolve mais pra frente! Vamos ver!
    Bjão,
    ADh

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  2. Aplaudo o desenrolar de tua história, com fatos bem costurados e cheios de vida...

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  3. Oi Bia. Te vi lá, entre os seguidores do Solidão de Alma e caminhei no seu rastro para conhecer seu espaço. Abraço suas letrinhas e deixo carinho e admiração por este canto de encanto. Bjs querida, obrigada pelo prestigio e pelo olhar de ternura.

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  4. Gostei da sua prosa, muito bem estruturado e bem conseguido.
    Foi uma bela e sublime leitura que me prendeu do principio ao fim
    Os meus parabens.http://castelodopoeta.blogspot.com

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  5. Olá, Bia querida
    Como é bom escrever,não é mesmo?
    Passo também para agradecer a sua visita ao meu Blog, ofertar-lhe um selinho feito exclusivamente para meus seguidores pelas 30.000 visitas e dizer-lhe meu muito obrigada pelo carinho e amizade.
    Nosso trabalho honesto como blogueiro(a) engrandece o nome do nosso Criador.
    Tenha excelente fim de semana!!!
    Bjs

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  6. Olá Bia! Tenho acompanhado a historia, muito boa, estou copiando e imprimindo, claro que com todas as referências, abraços e parabéns.

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  7. Para quando um próximo capítulo?
    Estou esperando que nos delicies com mais uma bela história.
    Manuel Aldeias

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  8. Acompanhando sempre, até o fim!!
    beijos

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Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Digam-me com sinceridade se estão gostando, ou não do romance. Críticas serão sempre muito bem vindas.

A todos dedico o meu carinho!
Bia Franco