"É Preciso Ver os Anjos"

Leopoldo tinha algo a fazer e não queria mais adiar. Aproximou-se de Agnes tão logo terminaram as cerimonias dos sepultamentos, no terreno dos fundos da igreja de Frei José:
- Agnes, eu não vi o Joaquim... Sabe onde ele está?
- Não, ninguém sabe. Embrenhou-se na mata depois da morte do filho... Por quê?
- Preciso dos seus serviços.
- Vai viajar? – deduziu Agnes desconfiada.
- Vou.
- Leopoldo, Já bastam de tragédias...
- A maior tragédia já aconteceu.
No dia seguinte, mal amanheceu o dia e ele já estava na estrada. No ônibus, à caminho de São Martinho, ele traçava os seus passos. Primeiro visitaria a mãe, depois ajustaria contas com o pai, de uma vez por todas.
Na fazenda almoçou com a mãe; falaram sobre mil coisas e mataram as saudades. Leopoldo constatou que ela não sabia de nada, por isso mesmo, cuidou o tempo todo para que não percebesse o que lhe ia na alma. Mais tarde, sentaram-se na varanda aos raios de sol morno do mês de agosto; ele repousou a cabeça no colo dela como se ainda fosse um menino. Logo anunciaria que tinha que partir. Despediram-se calorosamente e ele seguiu rumo à prefeitura.
Entrou sem ser anunciado. O pai estava sentado em sua cadeira de Prefeito, parecia tranquilo fumando seu charuto. Olhou com desdém para Leopoldo parado junto à porta:
- Ora, ora... Então o bom filho a casa torna! – disse com sorriso irônico.
Leopoldo aproximou um pouco mais:
- Vim trazer o relatório dos últimos acontecimentos ao Senhor Prefeito: Treze mortos, inúmeros feridos, e um agonizante no hospital. Este é o saldo de sua insanidade!
- Não me venha com essa agora! – protestou o prefeito – Não mandei matar aquela gente... Só pedi ao Tenório que desse um susto neles. Se ele se excedeu, a culpa não é minha – concluiu dando de ombros.
- E quanto ao Anselmo? – perguntou Leopoldo enfurecido.
- Ele não tinha nada que estar lá àquela hora da noite... Só pretendia queimar uns papéis e nada mais... Não posso ser responsabilizado por todas as fatalidades que as vezes acontecem...
Leopoldo sentiu nojo de tamanha frieza! E o que era mais brutal nele, era o fato de que ele realmente acreditava em tudo que acabara de dizer. Não se tratava de uma cena teatral ensaiada para sua defesa.
- Não posso acreditar que estou ouvindo isso!... Nem por um momento sentiu culpa pelas atrocidades que cometeu?
- Eu sou um político – disse o prefeito batendo no peito – Tenho que usar de estratégias que nem sempre resultam num desfecho esperado... Um homem na minha posição não pode perder tempo com essa bobagem de culpa... O que está feito está feito!
O prefeito levantou-se, estava com uma das mãos no bolso da calça e com a outra, segurava seu charuto. Aproximou-se de Leopoldo para falar bem junto ao seu ouvido:
- Mas eu não posso esperar que você entenda isso... Nunca será igual a mim. É um fracote que nem tamanho de homem tem!
Leopoldo afastou-se e virou para poder fitá-lo de frente:
- Não me ofende dizendo essas coisas. Não iria gostar de ser igual ao senhor – disse Leopoldo tristemente – Nem mesmo posso orgulhar-me de ser seu filho.
O Coronel Ferreira foi até um cinzeiro que estava numa mezinha no extremo oposto da sala e bateu a cinza do charuto, tranquilamente:
- Mas podia ter evitado tudo isso se tivesse ficado do meu lado. Preferiu ficar do lado dos meus inimigos...
Leopoldo levou as duas mãos à cabeça num gesto de perplexidade:
- Como pode chamá-los de inimigos? O senhor nem mesmo os conhecia!! – gritou ele – Mandou matar gente humilde e inocente por umas terras que nem lhe pertencem mais!... Já havia lucrado o bastante com elas! Ah!... Como pode conhecer-me tão pouco?... Achou mesmo que aceitaria ser seu testa de ferro numa empreitada nojenta como aquela?
- Como ousa questionar minhas atitudes? – perguntou o Coronel aos berros – Não sabe de nada...
- Sei mais do que imagina!... Sei o que aconteceu aos mineiros no passado... Mas isso também é uma bobagem sem importância... São apenas estratégias – concluiu com sarcasmo.
- Saia daqui! – ordenou o pai entre dentes.
- Vou sair sim, mas antes tenho uma última coisa a dizer: Desde que eu era um menino, venho tentando definir o que eu sinto em relação ao senhor. Agora eu sei... Sinto um profundo desprezo e nada mais.
Leopoldo se dirigiu para a porta, mas antes mesmo de tocá-la, ela se abriu abruptamente. Um homem sujo e maltrapilho de aparência assustadora empunhava uma arma e apontava para o prefeito. Leopoldo olhou para o pai e viu-o empalidecer; a arrogância e prepotência desapareceram por completo. Era só um homem assustado. O prefeito encostou-se na parede e pensou na sua arma na gaveta da escrivaninha. Parecia-lhe estar a léguas de distância, agora. Sentiu-se encurralado.
Leopoldo tinha que fazer alguma coisa e bem rápido:
- O que pensa que está fazendo, Joaquim? – perguntou Leopoldo tentando ganhar tempo – Fazer justiça com as próprias mãos não vai trazer Dionisio de volta.
Joaquim parecia irredutível com a arma apontada na direção do prefeito:
- Não traz meu Dionisio de volta, mas vou poder morrer em paz depois que mandar esse filho da peste pro inferno!
Leopoldo começava a achar que Joaquim não estava blefando, ele ia mesmo atirar.
- Não faça isso, Joaquim, eu imploro! Chega de mortes! Chega de...
- Sai da minha frente, Seu Leopoldo, estou lhe avisando! Não vai adiantar defender esse filho duma égua!
Ele engatilhou o revolver e avançou alguns passos em direção ao prefeito. Procurava mirar com precisão. Leopoldo, que se movia em sintonia com os passos de Joaquim e estava atento aos seus movimentos, pressentiu o momento exato do puxar de dedo.
- Nãaaaao!! – gritou Leopoldo atirando-se contra o corpo abundante do pai.
Seu corpo miúdo não achou força suficiente para empurrá-lo e ele acabou por receber o projétil em seu lugar!
O prefeito sentiu-o amolecer e amparou-o nos braços. Joaquim soltou a arma ao chão, os olhos vidrados, foi afastando-se de costas em direção à porta e fugiu em disparada. O prefeito ergueu o filho morto no colo e colocou-o no luxuoso sofá de veludo, e só então, notou os funcionários da prefeitura amontoados à porta.
- Saiam! – berrou ele – Saiam todos daqui!... Deixem-me sozinho com o meu filho.
Ele trancou a porta e sentou-se em seu trono. Ficou imóvel por um longo tempo olhando as gotas de sangue fundirem-se no tapete vermelho. Depois, abriu a gaveta da escrivaninha, apanhou sua arma, apontou para o coração e puxou o gatilho.
- Agnes, eu não vi o Joaquim... Sabe onde ele está?
- Não, ninguém sabe. Embrenhou-se na mata depois da morte do filho... Por quê?
- Preciso dos seus serviços.
- Vai viajar? – deduziu Agnes desconfiada.
- Vou.
- Leopoldo, Já bastam de tragédias...
- A maior tragédia já aconteceu.
No dia seguinte, mal amanheceu o dia e ele já estava na estrada. No ônibus, à caminho de São Martinho, ele traçava os seus passos. Primeiro visitaria a mãe, depois ajustaria contas com o pai, de uma vez por todas.
Na fazenda almoçou com a mãe; falaram sobre mil coisas e mataram as saudades. Leopoldo constatou que ela não sabia de nada, por isso mesmo, cuidou o tempo todo para que não percebesse o que lhe ia na alma. Mais tarde, sentaram-se na varanda aos raios de sol morno do mês de agosto; ele repousou a cabeça no colo dela como se ainda fosse um menino. Logo anunciaria que tinha que partir. Despediram-se calorosamente e ele seguiu rumo à prefeitura.
Entrou sem ser anunciado. O pai estava sentado em sua cadeira de Prefeito, parecia tranquilo fumando seu charuto. Olhou com desdém para Leopoldo parado junto à porta:
- Ora, ora... Então o bom filho a casa torna! – disse com sorriso irônico.
Leopoldo aproximou um pouco mais:
- Vim trazer o relatório dos últimos acontecimentos ao Senhor Prefeito: Treze mortos, inúmeros feridos, e um agonizante no hospital. Este é o saldo de sua insanidade!
- Não me venha com essa agora! – protestou o prefeito – Não mandei matar aquela gente... Só pedi ao Tenório que desse um susto neles. Se ele se excedeu, a culpa não é minha – concluiu dando de ombros.
- E quanto ao Anselmo? – perguntou Leopoldo enfurecido.
- Ele não tinha nada que estar lá àquela hora da noite... Só pretendia queimar uns papéis e nada mais... Não posso ser responsabilizado por todas as fatalidades que as vezes acontecem...
Leopoldo sentiu nojo de tamanha frieza! E o que era mais brutal nele, era o fato de que ele realmente acreditava em tudo que acabara de dizer. Não se tratava de uma cena teatral ensaiada para sua defesa.
- Não posso acreditar que estou ouvindo isso!... Nem por um momento sentiu culpa pelas atrocidades que cometeu?
- Eu sou um político – disse o prefeito batendo no peito – Tenho que usar de estratégias que nem sempre resultam num desfecho esperado... Um homem na minha posição não pode perder tempo com essa bobagem de culpa... O que está feito está feito!
O prefeito levantou-se, estava com uma das mãos no bolso da calça e com a outra, segurava seu charuto. Aproximou-se de Leopoldo para falar bem junto ao seu ouvido:
- Mas eu não posso esperar que você entenda isso... Nunca será igual a mim. É um fracote que nem tamanho de homem tem!
Leopoldo afastou-se e virou para poder fitá-lo de frente:
- Não me ofende dizendo essas coisas. Não iria gostar de ser igual ao senhor – disse Leopoldo tristemente – Nem mesmo posso orgulhar-me de ser seu filho.
O Coronel Ferreira foi até um cinzeiro que estava numa mezinha no extremo oposto da sala e bateu a cinza do charuto, tranquilamente:
- Mas podia ter evitado tudo isso se tivesse ficado do meu lado. Preferiu ficar do lado dos meus inimigos...
Leopoldo levou as duas mãos à cabeça num gesto de perplexidade:
- Como pode chamá-los de inimigos? O senhor nem mesmo os conhecia!! – gritou ele – Mandou matar gente humilde e inocente por umas terras que nem lhe pertencem mais!... Já havia lucrado o bastante com elas! Ah!... Como pode conhecer-me tão pouco?... Achou mesmo que aceitaria ser seu testa de ferro numa empreitada nojenta como aquela?
- Como ousa questionar minhas atitudes? – perguntou o Coronel aos berros – Não sabe de nada...
- Sei mais do que imagina!... Sei o que aconteceu aos mineiros no passado... Mas isso também é uma bobagem sem importância... São apenas estratégias – concluiu com sarcasmo.
- Saia daqui! – ordenou o pai entre dentes.
- Vou sair sim, mas antes tenho uma última coisa a dizer: Desde que eu era um menino, venho tentando definir o que eu sinto em relação ao senhor. Agora eu sei... Sinto um profundo desprezo e nada mais.
Leopoldo se dirigiu para a porta, mas antes mesmo de tocá-la, ela se abriu abruptamente. Um homem sujo e maltrapilho de aparência assustadora empunhava uma arma e apontava para o prefeito. Leopoldo olhou para o pai e viu-o empalidecer; a arrogância e prepotência desapareceram por completo. Era só um homem assustado. O prefeito encostou-se na parede e pensou na sua arma na gaveta da escrivaninha. Parecia-lhe estar a léguas de distância, agora. Sentiu-se encurralado.
Leopoldo tinha que fazer alguma coisa e bem rápido:
- O que pensa que está fazendo, Joaquim? – perguntou Leopoldo tentando ganhar tempo – Fazer justiça com as próprias mãos não vai trazer Dionisio de volta.
Joaquim parecia irredutível com a arma apontada na direção do prefeito:
- Não traz meu Dionisio de volta, mas vou poder morrer em paz depois que mandar esse filho da peste pro inferno!
Leopoldo começava a achar que Joaquim não estava blefando, ele ia mesmo atirar.
- Não faça isso, Joaquim, eu imploro! Chega de mortes! Chega de...
- Sai da minha frente, Seu Leopoldo, estou lhe avisando! Não vai adiantar defender esse filho duma égua!
Ele engatilhou o revolver e avançou alguns passos em direção ao prefeito. Procurava mirar com precisão. Leopoldo, que se movia em sintonia com os passos de Joaquim e estava atento aos seus movimentos, pressentiu o momento exato do puxar de dedo.
- Nãaaaao!! – gritou Leopoldo atirando-se contra o corpo abundante do pai.
Seu corpo miúdo não achou força suficiente para empurrá-lo e ele acabou por receber o projétil em seu lugar!
O prefeito sentiu-o amolecer e amparou-o nos braços. Joaquim soltou a arma ao chão, os olhos vidrados, foi afastando-se de costas em direção à porta e fugiu em disparada. O prefeito ergueu o filho morto no colo e colocou-o no luxuoso sofá de veludo, e só então, notou os funcionários da prefeitura amontoados à porta.
- Saiam! – berrou ele – Saiam todos daqui!... Deixem-me sozinho com o meu filho.
Ele trancou a porta e sentou-se em seu trono. Ficou imóvel por um longo tempo olhando as gotas de sangue fundirem-se no tapete vermelho. Depois, abriu a gaveta da escrivaninha, apanhou sua arma, apontou para o coração e puxou o gatilho.
aguardo ansiosamente..
ResponderExcluirgrandes emoções!!
beijos
bacana seu blog , bia !
ResponderExcluirto gostando...beijo !
Bia!
ResponderExcluirPasso para agradecer pela honrosa visita ao meu blog e aproveito para lhe parabenizar por essa iniciativa de um livro online.
Desnecessário dizer que já fiquei cativado e com o passar dos dias lerei todos os artigos já publicados.
Com carinho do seu mais novo seguidor.
Milton (http://postsabeiramat.blogspot.com)
olá, passando para agradecer sua visita e parabeniza-la pela bela historia. Seu coração escreve muito bem. rs
ResponderExcluirbjokas e volte sempre; estou tentando e seguir mas Google Connect não esta muito a fim de mim...
Olá.
ResponderExcluirQuero, em primeiro lugar, agradecer a visita e o facto de te tornares seguidora do meu canto.
Em segundo que gostei bastanto do teu canto e que virei com atenção ler tudo. Depois farei um comentário mais "inteirado"...
:)
Oi Bia, obrigado pelo carinho em meu cantinho....adorei conhecer seu blog, estarei sempre te visitando com certeza...beijos!!!
ResponderExcluirRê
Obrigada por se ter registado no meu blogue.
ResponderExcluirFiz o mesmo no seu. Será um prazer segui-lo.
Um beijo/Irene
Olá, Bia!
ResponderExcluirObrigado por se ter feito minha seguidora, gesto que retribuo com prazer, depois aqui ter entrado.
Gostei do que li; a história está muito bem construída,cheia de ritmo e suspense, muito realista-lindamente contada.
Beijinhos.
Vitor
Olá Bia
ResponderExcluirObrigado pela visita ao meu blog. Quando puder volte, vou gostar muito.
Te sigo
Bjux
Oi, Bia!
ResponderExcluirQue coisa hem?! Saiba que o mais legal de sua história é o inesperado! E a expectativa? Como será que a trama se resolve? Vc sabe criar um baita suspense... Abção! E até o próximo capítulo.
Adh
É um prarzer vir aqui para ler.
ResponderExcluirUm beijinho/Irene
É sempre com grande expectativa e redobrada ansiedade que aguardo os novos episódios.
ResponderExcluirTenho tido dificuldade em comentar seus textos, será desta?