sábado

Capítulo X

  "É Preciso Ver os Anjos"


 Passava das nove da noite e Leo ainda não havia chegado para o jantar. Sara ligou para a casa de Patric e ele dissera que Leo não aparecia no escritório há três dias. Ela sabia que ele vinha trabalhando há meses num novo projeto de materiais alternativos para execução de obras. Vivia para baixo e para cima com rolos de projetos debaixo do braço à caça de um investidor interessado em produzir em série o seu invento. Mal se importava com o fato de que isso o afastava cada vez mais dos negócios que realmente lhe rendiam algum ganho. Não contatava nenhum cliente há séculos, e Sara vinha arcando sozinha com todas as despesas da casa; estavam no vermelho nesses três primeiro meses do ano.

Ele chegou às nove e quarenta da noite, beijou Sara calorosamente no rosto:

-  Desculpe o atraso, meu bem. Tive uma reunião exaustiva com um empresário que só terminou ainda pouco, para no final das contas ele me dizer que não se interessava pelo meu projeto... Tive vontade de esmurrá-lo!
-  Vou lhe servir o jantar, depois falaremos nisso – disse-lhe ela, adiado por mais um pouco o que era inadiável.

Ela fez o prato e colocou-o diante dele na mesa da cozinha, apanhou para si uma xícara de café e sentou-se diante dele. Bebericava o líquido vagarosamente enquanto ele saboreava o prato de polenta com frango: parecia um menino faminto. Sara observava-o sem que ele notasse. Os cabelos grisalhos que o tempo lhe colocara nas frontes deixavam-no ainda mais sedutor. Seus quarenta e cinco anos refletiam-se por todo semblante, mas os olhos... Ah! Esses eram incrivelmente juvenis!
                   
Sara desviou rapidamente os olhos ao pressentir que ele ia fitá-la.

-  Onde estão as meninas? – perguntou ele.
-  Nátali foi ao cinema com um novo amigo e Nicole está no quarto. Ela mal tocou no jantar, acho que está com algum problema.
-  É sobre isso que quer falar-me? – perguntou ele surpreendendo-a.
-  Como sabe que quero falar-lhe?
-  Então eu não conheço a minha garota?

Ela levantou-se, apanhou o prato e a xícara e depositou dentro da pia. Leo seguia-a com o olhar em expectativa.

-  Você está certo, eu quero mesmo lhe falar... E o que tenho a dizer pode ser doloroso para nós dois.
-  Antes de começar quero dizer que sei como se sente... Tenho chegado tarde, quase não nos falamos, mal vejo as meninas... Mas não vai durar para sempre, eu prometo. Quando conseguir o investidor as coisas andarão sozinhas... Se concordasse em falar com D. Emília tenho certeza que...
-  Não! – interrompeu-o bruscamente –  Não faça isso comigo, Leo... Já lhe falei mil vezes que não posso pedir nada à D. Emília!
-  Por que não?... Não lhe negará isso, ela gosta de você... E depois, será apenas um empréstimo e nossos problemas estarão resolvidos...

Ele parou de falar e olhou para Sara:

-  A questão é que não confia em mim, não é mesmo?
       
Ela foi até uma gaveta, apanhou um cigarro e ascendeu-o.
  
-  Não aparece no escritório há dias – disse com voz fatigada – Nem mesmo sabe dos problemas financeiros que tenho enfrentado aqui em casa... Nem sabe que estamos sem telefone, que tive de vender a linha essa semana. Até quando pensa que vou aguentar arcar com as despesas sozinha?... Estou atrasada com as mensalidades da universidade das meninas, não farão provas no próximo mês se não dermos um jeito de saldá-las...
-  Eu sinto muito...
-  Sente! Sente! Você só sabe dizer que sente muito e nada mais! – retrucou alterada. Mas em seguida controlou-se – Não quero mais continuar...
-  Está me deixando assustado... Nunca a vi falando desse jeito, só está um pouco nervosa, só isso...
-  Estou cansada, Leo...
-  Eu sei, nunca tirou férias...
-  Estou cansada de sua imaturidade. Estou cansada de esperar que você cresça e assuma as responsabilidades da casa comigo.

Ele levantou-se, caminhou alguns passos e parou junto à porta:

-  Julga-me imaturo porque acalento um sonho e busco maneiras de realizá-lo... Se não pudermos mais sonhar, não há pelo que viver, Sara... A vida se tornará um fardo pesado demais para ser carregado.
-  A vida é um fardo com ou sem sonhos – disse ela – Cabe a nós amenizá-lo estabelecendo prioridades condizentes com nossa realidade. Nunca abrimos mão de um sonho realmente, apenas deixamos que adormeça em nosso íntimo. E enquanto vivermos saberemos que ele está lá.
-  Não é assim que funciona comigo, Sara – disse ele francamente – Esse projeto me é muito importante para ser guardado na gaveta das boas recordações. Ou está vivo ou estará morto. Se acreditasse nele como eu acredito, me daria uma chance. Eu provaria a você que posso chegar lá, porque eu sei que posso!
-  Está esperando um milagre e milagres não acontecem... Não posso mais fingir que acredito.

Ele recostou com a cabeça no batente, parecia mergulhado em profunda angústia. Sara estava com o coração aos pedaços, era o pior momento desde que se casaram e ela implorou à Deus que tudo acabasse logo e de forma definitiva.

Leo finalmente levantou a cabeça e suspirou profundamente antes de começar a falar:

-  Eu... vou abandonar tudo e me dedicar ao escritório. E não se fala mais nisso.
-  Tem direito a uma escolha...
-  Já fiz a minha escolha. Você e as meninas são mais importantes para mim.
-  Mas está triste.
-  Não pode desejar tudo.
-  Realmente não posso – disse ela encerrando a conversa – Vou ver a Nicole.

Nicole estava deitada no quarto completamente escuro. Ela virou-se quando Sara ascendeu a luz do abajur.

-  Ainda acordada? – perguntou Sara.
-  Pensei ter ouvido você e papai discutindo.
-  Não foi nada demais, já passou – disse Sara fugindo do assunto – Mas foi para falar de você que vim até aqui.
-  De mim?
-  Não quer me contar o que está havendo?
-  Não há nada para contar...
-  Se não quer falar, tudo bem, eu não vou insistir...  Mas se está com algum problema, e eu sei que está, pode desabafar comigo. Afinal é para isso que servem as mães... Prometo não invadi-la além da conta.

Nicole sentou-se na cama:

-  Não é tão sério assim. Eu só não gostaria de ser como eu sou.
-  E como gostaria de ser?
-  Como a Nátali. Ela é extrovertida, ousada. Todos a acham interessante.
-  Não tem que ser igual à sua irmã, possui qualidades próprias... É meiga, inteligente...
-  Inteligência que não me seve de nada.
-  Creio que deve haver um motivo para estar dizendo isso.
-  Esse garoto com quem ela saiu... Era eu quem ele estava paquerando de início. Depois viu a Nátali na lanchonete, confundiu-a comigo e convidou-a para sair. Com ela é sempre diferente... As coisas acontecem.
-  Como pode ter certeza que ele não estava paquerando as duas ao mesmo tempo?
-  Ainda assim, ela não devia ter aceitado o convite, nem gosta dele!
-  E você, está apaixonada por ele?
-  Não sei... Mas estava interessada.
-  Disse isso à sua irmã?
-  Não.

Sara se achegou à filha e enlaçou-a:

-  Posso lhe confessar uma coisa?... Eu e seu pai erramos muito com vocês duas.
-  Do que está falando?
-  Da maneira como tratamos vocês, sempre iguais, vestindo as mesmas roupas, comprando os mesmos brinquedos...  Na nossa vaidade egoísta, esquecemo-nos completamente que eram duas pessoinhas distintas. Será que poderá nos perdoar algum dia?
-  Vou pensar a respeito – disse em tom de brincadeira – Sabe mamãe, às vezes penso que a Nátali faz de propósito, outras vezes, não.
-  Posso lhe assegurar que não.

Sara tomou os fartos cabelos longos de Nicole nas mãos:

-  Gosta de seus cabelos assim como estão?
-  Para falar a verdade, preferia que fossem curtos.
-  Então está na hora de cortá-los.
-  Mas a Nátali não... – ela cortou a frase ao meio – Tem razão, vou amanhã mesmo ao cabeleireiro.
-  E da próxima vez que um rapaz olhar para você, saberá exatamente quem ele estará vendo.
-  Eu amo você – disse Nicole ternamente.
-  Eu também amo você, querida. Agora, quer me falar um pouco sobre aquele novo projeto?
-  O pai de uma amiga da universidade tem uma chácara em Mairiporã que está desativada. Ele a cedeu para nós realizarmos um projeto que vínhamos desenvolvendo há tempos. Vamos recolher das ruas adolescentes que são dependentes em drogas, infratores ou não, e abrigá-los lá para tratamento e reintegração à sociedade... Para isso, estamos contando com um grupo de estudantes voluntários em várias áreas. Pretendemos defender a tese de que obteremos maiores resultados positivos por sermos jovens também, e, portanto falamos a mesma língua.
-  Acho a idéia maravilhosa! – exclamou Sara.
-  E tem mais: Pretendemos profissionalizá-los, dar aulas de canto, dança, teatro e outras mais.
-  Pode contar comigo, se precisar – ofereceu-se.
-  Sei que é muito ocupada, mas pensei em lhe propor uma troca.
-  Uma troca?
-  Sim, eu poderia cuidar da casa e das refeições em seu lugar aos sábados e você dará aulas de pintura para eles. O que me diz?
-  Eu adoraria.
-  Então combinaremos os detalhes quando tudo estiver pronto.
-  Estou muito orgulhosa de você – disse Sara com a voz impregnada de emoção – Faz-me lembrar tanto a sua avó.
-  Ela era muito especial, não é mesmo?
-  Era igual a você.    

Sara beijou a filha e lhe deu boa-noite, mas antes de deixar o quarto, tinha algo ainda a dizer:

-  Tenha paciência com sua irmã. Ela demora um pouco a aprender as coisas, mas acaba aprendendo.
-  Lembrarei disso.

---------------------------------------------------------------------- 

Sara chegou à mansão um tanto afobada. Era dia da fisioterapia de D. Emília e saíra atrasada de casa. Não escutou o despertador, resultado das noites mal dormidas dos últimos meses. O casamento estava em crise. Leo passara a sair bem mais cedo que ela, e nem se encontravam pela manhã. Ainda faziam amor, às vezes, mas não era mais como antes; alguma coisa havia morrido. Ele mostrava-se sempre indisposto, e o famigerado bom humor, que lhe era tão peculiar, desaparecera. Mergulhara no trabalho incessantemente, mas não se via mais rolos de projetos espalhados pela casa; tudo ele resolvia no escritório. Parecia não querer trazer à tona questões passadas, e Sara sentia uma ponta de remorso. Perguntava-se se estaria mesmo certa em suas atitudes para com ele. As contas estavam em dia, mas ela estava longe de se sentir feliz. Dormia mal e andava sem apetite, mas procurava deixar tudo do lado de fora quando cruzava o portão da mansão.
                   
Ao saltar do elevador procurou pela chave, mas não encontrou. Sentou-se no chão, virou o conteúdo da bolsa, e nada. Droga! Só essa que me faltava! Perder a chave logo hoje que estou tão atrasada! Ela desceu pela escada correndo e foi falar com Feliciano na garagem:

-  Pode me emprestar sua chave do sótão? – pediu ela – Acho que perdi a minha na estufa e não tenho tempo de procurá-la agora.
-  Claro, D. Sara, aqui está ela.
-  Procure-a depois, Feliciano, e se não encontrar, poderá providenciar uma cópia, por favor?
-  Farei isso.
-  Obrigada.

D. Emília já tinha tomado seu dejejum sozinha quando ela entrou, mas ainda se encontrava na cama. Sara retirou a bandeja, colocou para fora do quarto e tratou de apressá-la.

-  Estamos atrasadas – disse ela – Se não nos apressarmos, perderemos o início dos exercícios. Vou apanhar seu casaco, faz frio lá fora. O inverno veio rigoroso este ano.
-  Não há necessidade de tanta correria, Sara. Estava mesmo aguardando-a para lhe falar...
-  Falar o que?
-  Eu tomei uma decisão. Quero parar com a fisioterapia. Pelo menos por um tempo.
-  Não pode parar agora!... Sei que está demorando em obtermos resultado, mas essas coisas são assim mesmo...
-  Não é por esse motivo. Eu apenas sinto-me um pouco cansada desses exercícios. Preferiria que fizéssemos outras coisas juntas. Sinto que estamos perdendo tempo.
-  Não está me escondendo nada, está?
-  O que eu poderia esconder de você?
-  Sei lá, um mal estar talvez... Não está doente, está?
-  Eu pareço doente?
-  Não...
-  Então, Sara... Vamos gastar nosso tempo com coisas mais divertidas. Sinto-me bem assim como estou. Só temos que dar boas risadas e nada mais.
-  Tudo bem – concordou ela – Mas serão só umas férias, vou logo avisando...

Nesse momento houve batidas na porta. Sara foi atender, era Sheila.

-  Tem uma ligação para você lá na copa, Sara. É sua amiga Claudine.
-  Peça a ela que ligue aqui para a linha de D. Emília – pediu Sara.
-  Ela disse que prefere que você vá atendê-la lá embaixo.
-  Tudo bem, eu já vou descer, obrigada.

Sara disse à D. Emília que não demoraria, apanhou a cadeira colocou do lado de fora e trancou a porta ao sair. Sentiu-se meio idiota ao fazer isso; vinha se sentindo assim há tempos, e ainda assim fazia-o. Perguntava-se se seria o hábito ou se apesar de tudo, ainda não confiava suficientemente nela para abrir a guarda. O mais estranho era o fato de D. Emília não reclamar, não perguntar nada. Nem se quer discutiram o assunto alguma vez; pareciam presas a um tipo de pacto silencioso.
   
Sara atendeu ao telefone e notou logo que a voz da amiga estava diferente:

-  “Desculpe por fazê-la descer” – disse Claudine – “mas não sei se seria bom conversarmos na presença de D. Emília.”
-  Aconteceu alguma coisa?
-  “Plinio está no Hospital.”
-  Hospital? Mas o que aconteceu a ele?
-  “Pneumonia".
-  Que susto você me deu! Pensei que fosse algum acidente grave...
-  “Ele é soropositivo, Sara.”
-  Soro o que?
-  “Estou falando de Aids.”
-  Oh, meu Deus! Temos de achar a família dele...
-  “Nós somos a família dele.”
-  Tem razão. O que temos que fazer, além de confortá-lo, é claro?
-  “Falei com o médico ainda pouco, o estado dele está controlado, mas ainda espira cuidados. O problema é que o hospital não pode mantê-lo lá por mais tempo. Disseram-me que não estão preparados para esse tipo de paciente, não possuem isolamento e profissionais adequados.”
-  Nesse caso, vamos cuidar da transferencia dele o mais rápido possível...
-  “Aí é que está o problema... Liguei para vários hospitais e nenhum quer aceitá-lo.”
-  Mas isso é um absurdo!
-  “Absurdo ou não, é a pura realidade. O que importa agora, é que temos de decidir o que vamos fazer com ele e tem de ser uma decisão rápida.”
-  Está certo. Vou pensar um pouco e à noite nos falamos.
-  Combinado.

Sara voltou para o sótão e recolocou a cadeira. D. Emília ainda na cama, assistia T. V.

-  Problemas? – perguntou ela.
-  Um amigo está doente – respondeu Sara, não conseguiria mesmo esconder dela – O Plínio, a senhora o conheceu no Natal.
-  Está com Aids?
-  Como sabe??
-  Você mesma disse, eu o conheci.
-  E isso ficou tão evidente assim para a senhora?
-  Ora Sara, depois que trouxe essa  T.V. aqui para o sótão, tudo deixou de ser mistério para mim. Como está ele?
-  Está no hospital... Por enquanto.
-  Por enquanto?... O que quer dizer?
-  O hospital não pode mantê-lo lá e Claudine não encontrou outro que o aceite.
-  Eu sei, tenho acompanhado a situação desses doentes. São jogados de lá para cá sem que ninguém faça nada.
-  Mas eu e Claudine temos que fazer alguma coisa, somos as únicas pessoas que ele tem. Temos que conseguir um hospital que o aceite a qualquer custo.
-  Ou então comparar um.
-  Comprar um?... É uma piada, suponho.
-  Não, não é. Eu posso comprar um hospital para ele.
-  Não está falando sério, está?
-  É claro que estou! Não ia brincar com uma coisa dessas. Eu andava mesmo pensando que está mais do que na hora das empresas realizarem algo parecido. E depois, as despesas poderão ser abatidas no imposto de renda.
-  E isso é possível, quero dizer, vamos encontrar um hospital para comprar? – perguntou Sara, sem conseguir conter a euforia.
-  Não sei se é fácil, mas podemos tentar. Vou falar com Salgado e pedir maiores detalhes. Se for viável, começaremos a sair com ele para procurar um hospital já montado, ou um local para montarmos um... Talvez uma pequena clínica resolva.
-  E os médicos e enfermeiros? – perguntou Sara.
-  Contrataremos os melhores.
-  E aceitaremos outros pacientes, naturalmente.
-  Quantos couberem.

Sara deu voltas quase saltitante pelo quarto. Ficara tão feliz que por um momento esquecera completamente que havia ainda um problema imediato a ser resolvido:

-  A idéia é genial, mas tudo isso leva tempo. Ainda tenho que pensar o que farei com Plínio.
-  Transfira-o para uma clínica particular – sugeriu D. Emília.
-  E se não o aceitarem?
-  Aceitarão depois que descobrirem quão linda é a cor do meu dinheiro.

Num impulso incontrolável, Sara deu um beijo estalado no rosto de D. Emília:

-  Nunca imaginei que haveria alguém da qual eu pudesse me orgulhar tanto quanto me orgulhei da minha mãe... Eu estava enganada: estou orgulhosa da senhora!
-  Não sabe o que está dizendo.

Dias depois, Plinio estava instalado numa confortável clinica particular. Claudine cuidara de tudo sob as instruções de Sara, mas ela mesma, porém, ainda não o havia visitado. Talvez porque não encontrara uma fórmula coerente de consolar um amigo, cuja vida, esvaziava-se dia a dia.

No domingo, entretanto, não havia mais a desculpa do trabalho, aulas de pinturas e tudo o mais. Chegou à clínica logo pela manhã quando uma enfermeira, munida de avental de plástico transparente e luvas cirúrgicas, servia-lhe o café da manhã com gestos mecânicos.
                   
Sara cumprimentou-o com um sorriso e sentou-se numa poltrona próximo à janela, aguardando até que a enfermeira terminasse e se retirasse do quarto.
                   
Quando ela saiu, aproximou-se da cama:

-  Sei que está se recuperando bem. Falei ao telefone com o médico ontem – disse-lhe ela.
-  Porque demorou tanto a vir?
-  Estive tratando do lado prático – disse simplesmente.
-  Eu sei – disse ele. Parecia triste e abatido.
-  Como se sente hoje? – perguntou Sara
   
Ele não respondeu imediatamente. Olhou para a janela e fixou os olhos no pequeno pedaço de cidade. No alto de um prédio, o painel publicitário de certo produto insistia que vida é bela.

-  Quando eu era criança – começou ele – minha mãe plantou um canteiro de margaridas em frente do barraco em que morávamos. As abelhas as visitavam a cada primavera e eu adorava caçá-las e colocá-las dentro de uma caixa de fósforos, só para depois soltá-las todas de uma só vez...  Elas faziam um zumbido engraçado enquanto fugiam.
-  Porque está me contando isso agora? – perguntou ela.
-  Por que... sinto-me como se ninguém tivesse aberto a caixa de fósforo para mim... Estive lá dentro o tempo todo.

Sara afastou-se um pouco, chegou até os pés da cama e debruçou-se na grade antes de voltar a falar:
                                        
-  Vai voltar para loja quando receber alta da clínica?                       
-  Não, fui afastado definitivamente. O gerente geral disse que era para o meu bem... E também não poderia correr o risco da notícia se espalhar e comprometer a reputação da loja, que tinha, a custo de longos anos, construído um bom nome no mercado e etc, etc, etc...
-  Bem, de qualquer maneira, não perdeu nada de grande importância – assegurou-lhe ela – Você mesmo vivia dizendo que apesar de ser o melhor vendedor durante quase uma vida inteira, nunca conseguiu uma promoção. O melhor que tem a fazer é esquecer a loja.
-  Esquecer a loja – repetiu amargurado – E tudo mais.
-  Que ano da faculdade de administração estava cursando quando trancou a matrícula?                   
-  O segundo, por quê?
-  É muito pouco – concluiu ela – vai ter que voltar a estudar.
-  Voltar a estudar, eu?...  Só pode estar brincando!
-  Não, não estou.
-  Sara, sei que deseja me dar ânimo e o quanto é boa para mim. Nem mesmo terei tempo para retribuir tudo que tem feito... Conseguiu-me essa clínica e tudo o mais, mas temos que encarar a realidade... Estou em cima de uma cama praticamente com dia e hora marcados para morrer e...
-  Acho que tem toda a razão – afirmou ela.

Plínio fitou-a com um olhar incrédulo.

-  ...Não terá tempo para nada. Nem para morrer. Tem muito trabalho a fazer e precisa terminar o curso de administração.
-  Não tem nenhum sentido voltar para a faculdade, mesmo porque, penso que já estou velho demais para isso. Aquilo foi só um delírio...
-  Delírio ou não, vai voltar e se formar!
-  Por quê?
-  Porque acaba de ganhar um hospital. Como irá administrá-lo?




2 comentários:

  1. Oi Bia! Acabei de ler os dois últimos capítulos postados... Adorando a leitura! Curiosa pelas próximas emoções! Bjusss

    ResponderExcluir
  2. Puxa! A trama se desdobra. Vamos ler o próximo capítulo.
    Abç,
    Adh

    ResponderExcluir

Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Digam-me com sinceridade se estão gostando, ou não do romance. Críticas serão sempre muito bem vindas.

A todos dedico o meu carinho!
Bia Franco