sábado

CAPÍTULO XV

"É Preciso Ver os Anjos"




Leopoldo tinha algo a fazer e não queria mais adiar. Aproximou-se de Agnes tão logo terminaram as cerimonias dos sepultamentos, no terreno dos fundos da igreja de Frei José:

- Agnes, eu não vi o Joaquim... Sabe onde ele está?
- Não, ninguém sabe. Embrenhou-se na mata depois da morte do filho... Por quê?
- Preciso dos seus serviços.
- Vai viajar? – deduziu Agnes desconfiada.
- Vou.
- Leopoldo, Já bastam de tragédias...
- A maior tragédia já aconteceu.

No dia seguinte, mal amanheceu o dia e ele já estava na estrada. No ônibus, à caminho de São Martinho, ele traçava os seus passos. Primeiro visitaria a mãe, depois ajustaria contas com o pai, de uma vez por todas.

Na fazenda almoçou com a mãe; falaram sobre mil coisas e mataram as saudades. Leopoldo constatou que ela não sabia de nada, por isso mesmo, cuidou o tempo todo para que não percebesse o que lhe ia na alma. Mais tarde, sentaram-se na varanda aos raios de sol morno do mês de agosto; ele repousou a cabeça no colo dela como se ainda fosse um menino. Logo anunciaria que tinha que partir. Despediram-se calorosamente e ele seguiu rumo à prefeitura.

Entrou sem ser anunciado. O pai estava sentado em sua cadeira de Prefeito, parecia tranquilo fumando seu charuto. Olhou com desdém para Leopoldo parado junto à porta:

- Ora, ora... Então o bom filho a casa torna! – disse com sorriso irônico.

Leopoldo aproximou um pouco mais:

- Vim trazer o relatório dos últimos acontecimentos ao Senhor Prefeito: Treze mortos, inúmeros feridos, e um agonizante no hospital. Este é o saldo de sua insanidade!
- Não me venha com essa agora! – protestou o prefeito – Não mandei matar aquela gente... Só pedi ao Tenório que desse um susto neles. Se ele se excedeu, a culpa não é minha – concluiu dando de ombros.
- E quanto ao Anselmo? – perguntou Leopoldo enfurecido.
- Ele não tinha nada que estar lá àquela hora da noite... Só pretendia queimar uns papéis e nada mais... Não posso ser responsabilizado por todas as fatalidades que as vezes acontecem...

Leopoldo sentiu nojo de tamanha frieza! E o que era mais brutal nele, era o fato de que ele realmente acreditava em tudo que acabara de dizer. Não se tratava de uma cena teatral ensaiada para sua defesa.

- Não posso acreditar que estou ouvindo isso!... Nem por um momento sentiu culpa pelas atrocidades que cometeu?
- Eu sou um político – disse o prefeito batendo no peito – Tenho que usar de estratégias que nem sempre resultam num desfecho esperado... Um homem na minha posição não pode perder tempo com essa bobagem de culpa... O que está feito está feito!

O prefeito levantou-se, estava com uma das mãos no bolso da calça e com a outra, segurava seu charuto. Aproximou-se de Leopoldo para falar bem junto ao seu ouvido:

- Mas eu não posso esperar que você entenda isso... Nunca será igual a mim. É um fracote que nem tamanho de homem tem!

Leopoldo afastou-se e virou para poder fitá-lo de frente:

- Não me ofende dizendo essas coisas. Não iria gostar de ser igual ao senhor – disse Leopoldo tristemente – Nem mesmo posso orgulhar-me de ser seu filho.

O Coronel Ferreira foi até um cinzeiro que estava numa mezinha no extremo oposto da sala e bateu a cinza do charuto, tranquilamente:

- Mas podia ter evitado tudo isso se tivesse ficado do meu lado. Preferiu ficar do lado dos meus inimigos...


Leopoldo levou as duas mãos à cabeça num gesto de perplexidade:

- Como pode chamá-los de inimigos? O senhor nem mesmo os conhecia!! – gritou ele – Mandou matar gente humilde e inocente por umas terras que nem lhe pertencem mais!... Já havia lucrado o bastante com elas! Ah!... Como pode conhecer-me tão pouco?... Achou mesmo que aceitaria ser seu testa de ferro numa empreitada nojenta como aquela?
- Como ousa questionar minhas atitudes? – perguntou o Coronel aos berros – Não sabe de nada...
- Sei mais do que imagina!... Sei o que aconteceu aos mineiros no passado... Mas isso também é uma bobagem sem importância... São apenas estratégias – concluiu com sarcasmo.
- Saia daqui! – ordenou o pai entre dentes.
- Vou sair sim, mas antes tenho uma última coisa a dizer: Desde que eu era um menino, venho tentando definir o que eu sinto em relação ao senhor. Agora eu sei... Sinto um profundo desprezo e nada mais.

Leopoldo se dirigiu para a porta, mas antes mesmo de tocá-la, ela se abriu abruptamente. Um homem sujo e maltrapilho de aparência assustadora empunhava uma arma e apontava para o prefeito. Leopoldo olhou para o pai e viu-o empalidecer; a arrogância e prepotência desapareceram por completo. Era só um homem assustado. O prefeito encostou-se na parede e pensou na sua arma na gaveta da escrivaninha. Parecia-lhe estar a léguas de distância, agora. Sentiu-se encurralado.

Leopoldo tinha que fazer alguma coisa e bem rápido:

- O que pensa que está fazendo, Joaquim? – perguntou Leopoldo tentando ganhar tempo – Fazer justiça com as próprias mãos não vai trazer Dionisio de volta.

Joaquim parecia irredutível com a arma apontada na direção do prefeito:

- Não traz meu Dionisio de volta, mas vou poder morrer em paz depois que mandar esse filho da peste pro inferno!


Leopoldo começava a achar que Joaquim não estava blefando, ele ia mesmo atirar.

- Não faça isso, Joaquim, eu imploro! Chega de mortes! Chega de...
- Sai da minha frente, Seu Leopoldo, estou lhe avisando! Não vai adiantar defender esse filho duma égua!

Ele engatilhou o revolver e avançou alguns passos em direção ao prefeito. Procurava mirar com precisão. Leopoldo, que se movia em sintonia com os passos de Joaquim e estava atento aos seus movimentos, pressentiu o momento exato do puxar de dedo.

- Nãaaaao!! – gritou Leopoldo atirando-se contra o corpo abundante do pai.

Seu corpo miúdo não achou força suficiente para empurrá-lo e ele acabou por receber o projétil em seu lugar!

O prefeito sentiu-o amolecer e amparou-o nos braços. Joaquim soltou a arma ao chão, os olhos vidrados, foi afastando-se de costas em direção à porta e fugiu em disparada. O prefeito ergueu o filho morto no colo e colocou-o no luxuoso sofá de veludo, e só então, notou os funcionários da prefeitura amontoados à porta.

- Saiam! – berrou ele – Saiam todos daqui!... Deixem-me sozinho com o meu filho.

Ele trancou a porta e sentou-se em seu trono. Ficou imóvel por um longo tempo olhando as gotas de sangue fundirem-se no tapete vermelho. Depois, abriu a gaveta da escrivaninha, apanhou sua arma, apontou para o coração e puxou o gatilho.


12 comentários:

  1. aguardo ansiosamente..
    grandes emoções!!
    beijos

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  2. bacana seu blog , bia !

    to gostando...beijo !

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  3. Bia!

    Passo para agradecer pela honrosa visita ao meu blog e aproveito para lhe parabenizar por essa iniciativa de um livro online.
    Desnecessário dizer que já fiquei cativado e com o passar dos dias lerei todos os artigos já publicados.
    Com carinho do seu mais novo seguidor.

    Milton (http://postsabeiramat.blogspot.com)

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  4. olá, passando para agradecer sua visita e parabeniza-la pela bela historia. Seu coração escreve muito bem. rs
    bjokas e volte sempre; estou tentando e seguir mas Google Connect não esta muito a fim de mim...

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  5. Olá.

    Quero, em primeiro lugar, agradecer a visita e o facto de te tornares seguidora do meu canto.
    Em segundo que gostei bastanto do teu canto e que virei com atenção ler tudo. Depois farei um comentário mais "inteirado"...

    :)

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  6. Oi Bia, obrigado pelo carinho em meu cantinho....adorei conhecer seu blog, estarei sempre te visitando com certeza...beijos!!!

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  7. Obrigada por se ter registado no meu blogue.
    Fiz o mesmo no seu. Será um prazer segui-lo.
    Um beijo/Irene

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  8. Olá, Bia!

    Obrigado por se ter feito minha seguidora, gesto que retribuo com prazer, depois aqui ter entrado.

    Gostei do que li; a história está muito bem construída,cheia de ritmo e suspense, muito realista-lindamente contada.

    Beijinhos.
    Vitor

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  9. Olá Bia
    Obrigado pela visita ao meu blog. Quando puder volte, vou gostar muito.
    Te sigo
    Bjux

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  10. Oi, Bia!
    Que coisa hem?! Saiba que o mais legal de sua história é o inesperado! E a expectativa? Como será que a trama se resolve? Vc sabe criar um baita suspense... Abção! E até o próximo capítulo.
    Adh

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  11. É um prarzer vir aqui para ler.
    Um beijinho/Irene

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  12. É sempre com grande expectativa e redobrada ansiedade que aguardo os novos episódios.
    Tenho tido dificuldade em comentar seus textos, será desta?

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Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Digam-me com sinceridade se estão gostando, ou não do romance. Críticas serão sempre muito bem vindas.

A todos dedico o meu carinho!
Bia Franco