terça-feira

CAPÍTULO III

"É Preciso Ver os Anjos"

Leo ascendeu um cigarro. Ao bater a cinza, deparou com outro cigarro aceso no cinzeiro. Apagou-o. Batia ritmicamente os pés no piso de mármore branco. Levantou-se num sobressalto, sentia-se agitado demais para ficar sentado. Pensou se não estaria ali fumando e andando de um lado a outro, porque todo homem estava predestinados a repetir esses mesmos gestos toda vez que aguardavam notícias na sala de espera da maternidade.

Uma enfermeira apareceu. Ele cercou-a:

- Por favor, minha esposa, Sara Romanellli, está tendo um bebê... Entrou faz mais de trêz horas...
- Eu sou do berçário – informou a enfermeira gentilmente – Não posso lhe dar nenhuma informação, mas essas coisas demoram mesmo. Porque não vai até a lanchonete tomar um café? Ajudará a passar o tempo.
- Farei isso... obrigado.

Ela desapareceu por uma porta e ele voltou a sentar-se desapontado. Pegou uma revista, virava as páginas mecanicamente, não conseguia fixar a atenção em nenhuma delas. Lembrou das palavras de Sara dias antes: “Não quero você na ante-sala da maternidade parecendo um bicho enjaulado quando chegar a hora... Você é muito ansioso, fico aflita só em pensar”.

- Sr. Leonardo Romanelli? – perguntou o médico que acabara de entrar.
- Sim, sou eu – ele se levantou em um só pulo.
- Parabéns!... O senhor é pai de duas lindas meninas!

Leo pensou ter ouvido mal.

- Duas?... O senhor disse ...duas?
- Disse.

Ele ficou imóvel por alguns segundos. Tinha uma expressão abobalhada estampada no rosto.

- Tem certeza que não ouvi errado?
- Tenho.

- Mas isso é incrível!! – exclamou repentinamente abrindo os braços num peito aberto – Não ouvi errado, disse mesmo que são duas!... Eu sou realmente pai de duas filhas, o senhor percebe?... Duas é melhor do que uma!
- Certamente que é – respondeu o médico sem conseguir conter o riso.

Leo levou as duas mãos à cabeça. Sentia-se meio atordoado com a notícia. Era felicidade em dose dupla!

- Eu quero ver os bebês... Acho que não... Quero ver minha esposa primeiro...
- Sr. Romanelli, gostaria de conversar com o senhor por um momento antes que veja sua esposa – pediu o médico com seriedade no olhar.

O êxtase cedeu lugar a apreensão:

- Aconteceu alguma coisa? Sara... Ela está bem, não está?
- Não se preocupe, ela está bem, agora – tranqüilizou o médico – Venha até meu consultório, por favor.

O médico seguiu à frente dele por um corredor que lhe pareceu infinito.

- Sente-se, por favor, Sr. Romanelli – pediu o médico indicando-lhe uma cadeira – Eu sou o Dr. Talles, fiz o parto cesariana de sua esposa. O Dr. Celso que a acompanhou durante o pré-natal está viajando e estou substituindo-o...

Leo ainda não descobrira onde ele queria chegar. Gostaria que ele não fizesse tantos rodeios.

- ... Sua esposa apresentou um quadro hemorrágico pós-parto. Isso acontece às vezes... Não tivemos outra alternativa a não ser retirar a trompa e o ovário esquerdo para reverter o quadro – Ele fez uma pausa.
- O que isso pode acarretar a ela? – perguntou Leo.
- As chances de ela voltar a engravidar são mínimas. Eu diria inexistente... Eu sinto muito...

Leonardo parecia petrificado com a revelação. Não fez nenhum movimento, não esboçou nem revolta, nem frustração: Só tristeza.
Quando falou, a voz saiu num sussurro:

- Ela queria uma família numerosa...
- Duas é melhordo que uma - disse o médico.

Dr. Talles, médico há mais de dez anos, ainda não sabia como controlar suas emoções; não aprendera em nenhum banco de escola a ser imune às aflições dos pacientes e seus familiares em momentos como esses.

- Ela já sabe? – perguntou Leo.
- Não. Deixei que dormisse um pouco. Queria falar com o senhor primeiro.
- Fez bem – disse ele – Eu dou a notícia a ela, sei como fazê-lo.
- Claro, claro, eu entendo.


Leo entrou no quarto de mansinho, aproximou-se de Sara silenciosamente e beijou-lhe a testa.

- Porque demorou tanto? – perguntou sonolenta.
- Já estive aqui quatro vezes, você estava dormindo – mentiu ele – Sabe que me tornou duas vezes o homem mais feliz do mundo hoje?

Ela abriu os olhos e estendeu a mão a ele:

- Sente-se aqui. Já viu as meninas?
- Ainda não. Quis ver você primeiro.
- Elas são lindas – disse num sorriso iluminado.
- Posso imaginar. Sempre achei que dávamos uma boa mistura.
- Vá ao berçário conhecê-las agora – pediu Sara – Se não, vou me sentir uma egoísta.
- Eu vou. Durma mais um pouco, mais tarde eu voltarei com o mais escandaloso buquê de flores que eu encontrar.

No berçário, Leo fez mímica através do vidro para que a enfermeira se aproximasse com as gêmeas. Sara tinha razão, elas eram lindas... Não, não eram. Eram iguais a quaisquer outros bebês ali: vermelhos e enrugados; mas esses eram dele e de Sara. Isso é que as tornavam as criaturinhas mais lindas do mundo!

No outro dia pela manhã, Leo entrou no quarto munido de máquina fotográfica e mais flores. Sara estava sentada amamentando uma das meninas, enquanto a outra aguardava aos pés da cama.

- Não se mexa – ordenou ele da porta – Assim... Agora, levanta ela um pouco... Isso, assim está ótimo – coordenava ele entre um clic e outro – Agora vou pegar a outra, quero que segure as duas e sorria.
- Já chega Leo, tenho que terminar de amamentá-las.

Ele sentou-se na cama ao lado delas. Aquele era um momento mágico e único, pois sabia que não haveria outro, jamais.

- Olha Leo, como são idênticas! – exclamou Sara
- Como irá distingui-las?
- Dizem que as mães nunca se confundem.
- E os pais não têm esse privilégio? – fingiu-se enciumado.
- Não sei, mas iremos descobrir. Há casos de gêmeos na sua família? – perguntou ela – Porque na minha não há, pelo menos que eu saiba.
- Parece que o meu pai tinha uns primos que eram gêmeos, mas não me recordo deles.
- Então está geneticamente explicado – concluiu ela.
- Como iremos chamá-las? – perguntou Leo.
- Pensei em Nicole e Nátali, o que acha?
- Nicole e Nátali... Eu gosto, são sonoros. Qual será a Nicole e qual será a Nátali?
- Vamos fazer um sorteio – anunciou ela.
- Eu acho uma ótima idéia!

Sara olhou para o marido, sorridente.

- O que foi? – perguntou ele.
- Você... Fico admirada com seu poder intuitivo.
- Do que está falando?
- Da montanha de enxoval que comprou. Até parece que sabia.
- É possível, você estava enorme.
- Se for sempre assim de dois em dois, vamos ter que parar logo.

Leo sentiu um aperto por dentro. Tinha que contar a ela, mas adiaria por mais uns dias. Talvez o melhor agora, seria só começar a prepará-la.

- E se ficássemos somente com as duas, não seria interessante? – sugeriu ele.
- Mal posso acreditar que estou ouvindo isso de você!... Exagerado como é, vai querer encher a casa.
- Foi só uma idéia – disse ele cautelosamente – Poderiam crescer unidas, dormiriam no mesmo quarto, freqüentariam o mesmo ano no colégio... Acho que seria interessante.
- De jeito nenhum! – exclamou ela em protesto – Quero ter um menino assim com os teus olhos. Não penso mais em ter quatro ou cinco filhos como pensava antes, mas duas é muito pouco. Acho que me contentaria com mais um daqui a alguns anos.

Leo desejava mudar de assunto. Tinha ainda outra revelação nada agradável a fazer-lhe, mas esperaria até ela recuperar-se um pouco mais.

- Plinio e Claudine pediram licença do trabalho para virem visitá-la logo mais – disse ele.
- E você, por que ainda está aqui? Não tem que voltar para construtora?

O tiro saíra pela culatra.

- Tirei uns dias de licença – respondeu simplesmente. Evitou olhá-la nos olhos.
- E pôde fazer isso?
- E porque não?... Minhas filhas vieram ao mundo. Não acha um bom motivo?
- Sim, mas eles não sabem que são suas filhas...
- Olha, Sara, essa dormiu – desconversou ele – Vou pegar a outra para mamar mais um pouco.

Ele se levantou da cama rapidamente e fez a troca dos bebês. Depois apanhou a que estava dormindo, levou junto ao peito e pôs-se a passear pelo quarto cantando cações de ninar.


Sara teve alta da maternidade na manhã seguinte. Leo chamou um taxi e levou-a para casa. O apartamento se encontrava impecavelmente limpo e arrumado. Quando ele disse que ia preparar o almoço, ela ficou intrigada:

- O que aconteceu com a moça que contratamos? Porque ela não está aqui?

Ele parou na porta do quarto e voltou-se para olhá-la. Sabia que tinha chegado o momento, não podia mais adiar com desculpas esvaziavas. Chegou a lamentar o fato de não ser como seus amigos, que mentiam para suas esposas sem titubear.

- Eu... decidi dispensá-la... – informou reticente.

Ela interpretou mal as entrelinhas.

- Leo, eu imagino o quanto lhe dá prazer cuidar de mim e das gêmeas. Eu também prefiro você, mas tem seu trabalho. Não pode faltar tantos dias, ou acabará despedido, também. Deve chamar a moça de volta – concluiu com decisão.


Ele caminhou lentamente de volta ao quarto e sentou-se ao pé da cama. Cruzou as mãos entre as pernas e abaixou a cabeça ao começar a falar:

- Tenho uma coisa a dizer-lhe... não sei como vai reagir. Não quero que fique agitada, dizem que não faz bem, pode perder o leite... Tudo vai ficar bem, pode confiar em mim...
- Foi despedido! – concluiu ela jogando a cabeça para traz.

Ele não afirmou, mas também não negou. Apenas calou-se e esperou o inevitável.

- Por quê, Leo?... Meu Deus, eu te pedi tanto!... O que vamos fazer agora?
- Tudo vai se ajeitar, eu te prometo...
- Também me prometeu que ia segurar as pontas!
- Eu não tive culpa – retrucou ele levantando-se – ...Quando Claudine foi ao departamento me avisar que você estava à caminho da maternidade, eu estava no meio de uma reunião com o gerente... Discutíamos um novo projeto. Fiquei tão contente com a notícia... Só pensei em sair correndo dali, mas o gerente tentou me impedir. Não achei saída, a não ser contar a ele que você estava tendo um bebê e eu era o pai.
- E ele? – perguntou Sara.
- Falou-me com aquele ar imponente: “Não vou lhe autorizar nenhuma saída... Quem me garante que você que é o pai?... Qualquer um aqui nessa sala pode ser” – disse ele imitando de forma exagerada a voz do gerente.
- Agora, deixe-me adivinhar o resto – disse Sara com voz crítica – Aí, você não resistiu e contou a ele que casamos em segredo, não foi?
- Foi. Mas antes acertei-lhe um soco.

Sara jogou novamente a cabeça para traz, dessa vez batendo com força na cabeceira da cama. Ficou olhando para o teto, sem nada falar. Gostaria de possuir o poder de esgotar sua mente, fazer evaporar os pensamentos, fechar os olhos e redesenhar os caminhos que iriam seguir dali para frente.

- Não fique assim – pediu Leo docemente – Não é tão ruim quanto parece. Conhece meu desejo de montar meu próprio escritório de engenharia... Talvez tenha chegado o momento...
- E o que faremos até lá? – perguntou Sara com amargura na voz – Também vou ser despedida tão logo termine a licença. E depois, você sabe quanto custa montar um escritório desses?
- Ainda não pesquisei, mas...
- Mas certamente a minha indenização somada a sua não será o suficiente... Sem contar que estamos atolados em dívidas.
- Preciso apenas do suficiente para começar. Mas se não tiver o seu apoio...

As palavras esvaíram-se, todavia, Sara conhecia-o suficientemente bem para adivinhar o resto.

- Pensando bem, acho que você tem razão – disse ela.
- Sobre o meu escritório? – perguntou ele com um brilho nos olhos.
- Não. Sobre ficarmos somente com as gêmeas.
- A propósito, foi bom você tocar nesse assunto... Tenho outra revelação a fazer-lhe.

Sara reagiu quase friamente à notícia. Não se sentia com ânimo para questionar ou lamentar. Era provável que faria isso depois, num outro dia qualquer.

Leo apanhou as gêmeas no berço e colocou-as na cama, ao lado de Sara. Depois, aninhou-se junto delas. Passou o braço por cima dos bebês de modo a abraçar as três.
Sara aceitou o carinho em silêncio.

- Em que está pensando? – perguntou ele.
- Que o gerente mereceu aquele soco.



5 comentários:

  1. Que situação!
    Deduzi que ele não terá coragem de contar.
    Fiquei curioso vou ler o próximo capitulo

    Gostei muito, espero não ser inconveniente, se aceitar te seguirei no blog, até.
    Abraços!...

    ResponderExcluir
  2. Oi Bia!
    Muito bom este capítulo tbém!
    Bjão, até o próximo!
    Adh

    ResponderExcluir
  3. Vi que esteve no meu Blog DREAMS MULTIMARCAS, mais gostaria q. visitasse o www.miscelaniariff.blogspot.com., tenho certeza q. vai gostar.
    Amei seu canto, seu livro....vou acompanhar. Mega criativa.
    Parabens.
    Bjitos na alma

    ResponderExcluir
  4. Olá, Bia!
    Entrei para conhecer seu blog e seu perfil e desejar-lhe um óptimo 2011. Deparei com um capítulo do seu romance. A escrita é fluente, agradável: cria curiosidade. Eu não sou muito pelo romance. Prefiro debater ideias. É isso que lhe proponho. Assim, vou deixar-lhe um pensamento talvez tolo, mas interessante para quem gosta de questionar o legado dos nossos antepassados:
    Acabámos de celebrar o Natal e... sabia que o Natal não existe? Curioso, não é?
    Pois: o Natal foi inventado pela Igreja para “cristianizar” as festas pagãs em honra dos deuses solares, Mitra e outros, que se celebravam, por todo o império romano, ao redor do solstício de Inverno, como início do renascimento para uma vida nova, a da Primavera. Teve o seu aparecimento no s. IV, na Igreja Ocidental (25 de Dezembro – calendário Gregoriano) e no s. V na Oriental (7 de Janeiro – calendário Juliano). A narrativa do nascimento de Jesus de Mateus, ampliada por Lucas (nada sendo referido nem em Marcos nem em João), uma e outra são puras invenções sem qualquer credibilidade histórica nem qualquer verosimilhança (No inverno, os pastores não dormem ao relento...) Portanto, o Menino Jesus do catecismo não existiu. Muito menos o Deus Menino! E o mundo inteiro festeja algo de inexistente... Dá que pensar, não dá? (Ver mais no meu blog “Em nome da Ciência” cujo acesso é: http://ohomemperdeuosseusmitos.blogspot.com)
    Agora, associando-me ao luto de nossos irmãos brasileiros e fazendo votos para que semelhantes tragédias não voltem a acontecer aí no país irmão, uma outra ideia: apesar das catástrofes que vão acontecendo pelo mundo, com muita probabilidade provocadas pelas alterações climáticas e ambientais devidas à acção do Homem, o mesmo Homem, através dos seus governos subjugados aos interesses económico-financeiros de alguns (5% da população mundial, isto é, os que detêm 95% da riqueza produzida à face da Terra), não vai pôr-lhe cobro; preferirá assistir a novas catástrofes em que, como de costume, os mais fracos e pobres são os que irão continuar a sofrer. Inutilmente! Há que lutar para mudar estes sistemas e estes modelos não só políticos mas também económico-financeiros. Como? – Ver no meu blog “Ideias-Novas” cujo acesso é: http://ummundolideradopormulheres.blogspot.com
    Francisco Domingues

    ResponderExcluir
  5. Ler um texto sem parar...presa de cada frase, é algo que me acontece quando se trata de uma história bem contada, como esta! Espero pela continuação.
    Parabens!
    beijo
    Graça

    ResponderExcluir

Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Digam-me com sinceridade se estão gostando, ou não do romance. Críticas serão sempre muito bem vindas.

A todos dedico o meu carinho!
Bia Franco