quarta-feira

CAPÍTULO III

"É Preciso Ver os Anjos"



O próximo voo sai em vinte minutos, senhora, e está completo. Depois, só daqui a quatro horas – informou a moça por traz do balcão.
- Poderá haver alguma desistência de ultima hora? – Sara quase riu da pergunta estúpida que acabara de fazer, mas a moça pareceu não ter notado.
- Às vezes acontece... Se a senhora aguardar um pouco, eu informarei se houver alguma.
- Obrigada.

Sara estava ao telefone:
- “Alô”
- Nicole?
- “Não, mamãe, é Nátali”
Porque será que eu não acerto nunca?
- Oi querida, está tudo bem?
- “Tudo”
- Sua irmã ainda não chegou?
- “Não. Deve estar alimentando algum trombadinha por aí...”
- Nátali!! – O tom era de reprovação.
- “Estava só brincando... Como foi lá?”
Não foi.
- Tudo bem – mentiu – Ouça, meu bem, eu estou no aeroporto e ...
- “No aeroporto?! O que está fazendo no aeroporto?”
- Vou fazer uma viagem rápida, amanhã mesmo estarei de volta. Avise sua irmã, mas não quero que se preocupem...

A fim de não dar tempo para a filha raciocinar, Sara soltava as palavras uma atrás da outra; queria evitar que ela fizesse muitas perguntas.

-... Seu pai ligou? – perguntou Sara
- “Não, só Patric”.
- Patric?... O que ele queria? – perguntou intrigada.
- “Saber do papai. Eu disse a ele que papai estava no Rio fazendo um curso, e ele me disse que não. Ele é quem estava no Rio fazendo o tal curso... Não é estranho? Eu não entendi nada.”

Sara sentiu-se gelar. “Vou ao Rio fazer um curso de nova engenharia européia... Patric me convidou...
“Pergunte ao seu marido, ele sabe de tudo... Por falar nele, onde ele esteve há poucas horas, Sra.
Romanelli?”

- “Mamãe... Você ouviu o que eu disse?”
- Eu ligo para vocês do hotel, querida. Telefone para Claudine se precisarem de alguma coisa.
- “Não somos mais crianças, mamãe. Podemos nos cuidar bem.”
- Eu sei querida... Agora tenho que ir.
- “E se o papai ligar, o que eu digo a ele?”
- Diga... Diga que viajei a trabalho.
- “Mas você não tem mais trabalho...” – disse Nätali, mas a linha já tinha ficado muda.

A moça do balcão estava acenanava para ela.

- A senhora está com sorte. Há uma vaga na ala dos “não fumantes.”
Que ótimo! Quem é que fuma aqui?
- Pode me dizer seu nome completo, por favor? – pediu a moça apressadamente.
- Sara Vankovsk Romanelli – Informou ela mostrando sua identidade para a moça copiar corretamente.
- Espero que faça uma boa viagem, Sra. Romanelli!
- Eu também.

A voz no alto-falante anunciava: Senhores passageiros com destino à Curitiba, queiram, por gentileza, se dirigirem ao portão dois e boa viagem!”

Ela passou pelo portão de embarque, e desapareceu pelo corredor.

Sara estava correndo por um longo corredor branco. Havia uma densa névoa no ar. Ela corria, corria até a exaustão. O coração tamborilando, o suor que escorria pela sua testa estava segando-a. Quanto mais ela corria, mais a porta, ao final, se distanciava. A voz do velho procurador ecoava alto à suas costas: Deixe esta casa antes que seja tarde demais para você, Sara... Fuja o quanto antes!... Fuja!... Fuja!...

Senhores passageiros, queiram,por gentileza ocuparem os seus lugares e apertem os cintos. Não fumem. Vamos começar a aterrissagem.

Ela acordou num sobressalto. Tinha cochilado e nem se dera conta disso. Estava exausta por causa do turbilhão de emoções pelo qual havia passado nos últimos dias. O que mais ainda teria de enfrentar? O que o futuro ainda lhe reservaria? Tinha uma forte intuição que revelações ainda mais contundentes estariam por vir. Revelações que
fariam a sua existência deixar de ser abstrata, para se transformar em algo real, quase palpável. Um medo súbito começava a invadi-la. Pensou em desistir, mas quase que instantaneamente mudou de idéia. Não posso parar agora. Já fui muito longe. Ademais, não era mulher de desistir facilmente de um objetivo. Ela iria até o fim. E isso era só o começo.


Curitiba – 22:30h.

A primeira coisa que Sara fez quando desembarcou em Curitiba foi alugar um carro, depois rumou para o GRAN PARK HOTEL e pediu um quarto:

- Com vista para o Parque, senhora? – perguntou o recepcionista.
O mais barato que tiver.
- Não necessariamente.
- Quarto 302 – disse o rapaz entregando-lhe a chave com uma plaqueta de metal dependurada – Esperamos que tenha uma ótima estadia. Vou mandar subir suas bagagens...
- Não tenho bagagem, só ficarei por essa noite. Amanhã mesmo deixarei a cidade.

O sorriso cordial desapareceu por completo do rosto do rapaz. Ele lançou um olhar para a sua pequena valise de mão.

- Nesse caso, terá que pagar adiantado. Sabe como é... São normas do hotel...
- Sim, claro! Eu sei exatamente como é. – Não pode evitar a ironia na voz.

Ela não queria conversa, mas o rapaz não parava de fazer-lhe perguntas enquanto preenchia o cheque:

- Veio a trabalho?
Vim reescrever minha história
- Vim.
- Não é do Paraná?
Já fui.
- Não.
- É paulista, não é?
- Sou.
- Logo vi. Descobri pelo sotaque.
- ...
- Não gosto de São Paulo. Aqui é o melhor lugar para se viver... Gosta do Paraná?
Não iria gostar da resposta.
- Sim, gosto muito.
- Talvez resolva ficar.
Nem morta!

O rapaz ainda dizia mais alguma bobagem, quando Sara agradeceu-lhe cordialmente e dirigiu-se para o elevador.

Pretendia tomar um banho demorado, no entanto, não levou mais que dez minutos no chuveiro. Mirou-se nua por um instante no espelho. Talvez ele tenha uma amante. Não, nãoconseguia imaginar Leo com uma amante, eram tão felizes... Claro, tinham suas diferenças como todo casal, mas no que tangia o campo da intimidade, se completavam plenamente. O marido e as filhas eram o bem mais raro para ela; tinham atravessado tantas dificuldades e hoje ela sabia que só o amor os puderam manter unidos. O amor era o esteio daquela família. A vida lhe negara, entre outras coisas, o direito a uma família verdadeira, com pai, avós, irmãos... Possuía sua própria família agora, e não iria escorregar pelos vãos dos dedos como areia fina. A idéia de desunião lhe era inconcebível. Arrumaria uma maneira de mantê-los sempre juntos, não importava os meios que tivesse que usar. Mesmo por que, de alguma forma, ela sentia que não havia outra mulher na vida do marido. Se houvesse ela saberia. Leo é tão transparente... Não conseguiria esconder-me uma coisa desta por muito tempo... Então,
porque mentiu para mim?... Não, não quero pensar nisso... Ele seria incapaz de um só ato de violência, com quem quer que seja. Não permitirei que me envenenem contra ele. Não permitirei –
repetia a
si mesma – Nunca!

Ela agitou a cabeça tentando livrar-se dos pensamentos. Pensarei nisso depois – decidiu – agora preciso ligar para casa antes que as meninas fiquem preocupadas.

Sara falou por alguns minutos ao telefone com as filhas, mas só lhes disse meias verdades. Quando desligou, sentiu um oco no estômago e só então, lembrou-se que não havia comido nada desde a hora do almoço. “Você está entrando num período delicado para uma mulher, Sara.” – Dissera Dr. Celso, seu médico – “Deve evitar o estresse e principalmente alimentar-se corretamente.” Não estava conseguindo nem uma coisa nem outra.

Decidiu sair e comprar um lanche, pois ajudaria a passar o tempo. Mas ainda assim, a noite lhe parecia longa demais. Então, resolveu que não esperaria amanhecer, viajaria imediatamente. Minutos depois estava na estrada cortando a madrugada; desafiando as barreiras do tempo.


Um comentário:

  1. adorei sua postagem, muito gostoso de ler! Estarei por aqui seguindo.
    aguardo sua visita.
    Lu

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Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Digam-me com sinceridade se estão gostando, ou não do romance. Críticas serão sempre muito bem vindas.

A todos dedico o meu carinho!
Bia Franco